A vacina traz o abraço de volta
“Habemus vacina!”. Essa notícia sinalizou, ainda em dezembro de 2020, o caminho da esperança que poderíamos trilhar em 2021. Há tempos nenhuma descoberta científica reverberou tão forte do oriente ao ocidente. Foi o anúncio do bem maior que estava ali, sendo música aos nossos ouvidos e acalento aos nossos corações angustiados pelas mortes e pelo distanciamento social.
A imagem da primeira vacinada no mundo, Margaret Kenan, uma britânica de 90 anos, a meu ver, poderia ser a imagem do século. Aquilo representou a retomada de sonhos perdidos, de abraços não dados, da vida não mais vivida em sua rotina habitual.
A primeira vacina que se tem registro foi a antivariólica, lá em 1796. Aquele achado mudou a história das doenças infectocontagiosas. Com o desenvolvimento de outras vacinas, pudemos erradicar muitas doenças pelo mundo, diminuímos mortalidade infantil, aumentamos expectativa de vida. Mas, pasmem, ainda há quem duvide disso.
Muitos usam o argumento da liberdade de expressão para atacar as vacinas. No geral, são do mesmo grupo de defensores do terraplanismo ou dos que duvidam da chegada do homem à lua. E o que penso disso?
Posso dizer que negar a vacina é negar a ciência e negar a ciência é negar o próprio homem, pois as descobertas científicas nada mais são do que frutos das nossas relações e das nossas necessidades. O homem que preza por si e pelo próximo faz da ciência uma aliada para amenizar o sofrimento.
Como psiquiatra, por receber muitas pessoas em consultório, tive que distanciar as cadeiras, usar equipamentos de proteção individual e exigir máscaras dos pacientes. Além de tudo, algo especialmente marcante para mim, foi não poder cumprimentar com proximidade o paciente na sua chegada, nem o abraçar na despedida, o que era comum com alguns que saíam aliviados da consulta por terem deixado lá parte de suas angústias e levarem consigo perspectivas de melhora.
Nesse período de pós-verdade no qual estamos inseridos, ter uma opinião e um smartphone na mão viraram sinônimo de ser dono da realidade dos fatos e, assim, tomá-la como verdade. Parafraseando Philip K. Dick, escritor norte-americano de ficção científica, eu afirmo: “a realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, não desaparece.”
Sendo assim, não desdenhe do vírus, ele não deixará de existir devido à sua descrença. Não desdenhe também da vacina, ela é a única salvação, até o momento, para a retomada dos abraços perdidos.
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