A Pandemia e o dilema da classe média
Sentar em uma mesa no centro da sala ou jantar na cozinha por volta das 20 horas, compondo uma narrativa coletiva de um determinado dia da semana a partir de quatro ou cinco vozes distintas, representadas pelo pai de família, a supermãe e os filhos estudantes, em breve irá se tornar uma peça de museu da sociedade moderna. A classe média está acabando?
Tendência esta iniciada a partir do final da década de 1960, quando diversos movimentos sociais procuraram romper com o american way of life, emergente a partir dos anos 1920, hegemonizou-se de vez tendo como ponto de partida a pandemia atual. Diferentemente de outras epidemias presentes na história da modernidade, a covid-19 especifica-se como um turning point filosófico, refletido através do termo “tempos pandêmicos”. Seu linguajar coloquial está representado através da expressão “novo normal”. É co nsenso, portanto, que “o mundo jamais será o mesmo” depois desta pandemia.
Diversas são as tendências que ilustram tal movimento. Em comparação com o ano de 2020, o número de nascimentos no Brasil caiu 14%. Apesar de ser um fenômeno constante em décadas anteriores, a porcentagem atual é destoante. Embora alguns analistas atentem para a possibilidade de um baby boom, similar ao que ocorreu no pós-Segunda Guerra, ele jamais terá a mesma proporção tendo em vista a universalização dos métodos anticoncepcionais e a própria revolução no mundo do trabalho. Para além das questões demográficas, a Pandemia fez explodir um fenômeno mais profundo: o brutal distanciamento entre gerações e concepções de mundo.
Em contrapartida, nos EUA, o presidente Joe Biden apresenta essa semana seu projeto de governo mais ambicioso: revitalizar a classe média, considerada a matriz fundadora da nação estadunidense, segundo o atual mandatário. A partir de um projeto que envolverá trilhões de dólares, Biden almeja reconstruir o tecido social que elevou os EUA à máxima potência no século XX. No entanto, alguns desafios profundos deverão ser enfrentados. Os movimentos afrodescendentes e latinos serão incorporados integralmente à sociedade americana ou irão permanecer presentes enquanto atores de resistência? Em um mundo pós-Covid, a produtividade e rentabilidade do trabalhador médio nos EUA conseguirá competir co m o apetite voraz da cultura disciplinar do trabalho na China? A conjuntura internacional, avessa a uma nova guerra mundial na Europa e Ásia, favorecerá esse novo empreendimento global da política externa de Biden?
A partir de tal empreitada, poderemos observar o início do fim da hegemonia norte-americana ao não conseguir competir com a modernização asiática ou presenciarmos um novo american way of life, que consiga se reinventar a partir de novos atores sociais. No mundo das artes, da política e dos esportes, essa nova sociedade luta diariamente para expandir este cenário. Resta saber, se na área econômica, na qual a modernidade se reatualiza a partir das grandes transformações sociais e industriais, haverá espaço para uma nova classe média ocidental.
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