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Livre para Votar: o acompanhamento das denúncias de assédio eleitoral por parte do MP no Ceará

“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (Artigo 14 da Constituição Brasileira)

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3 de novembro de 2022
Igor Silveira

Coagir, intimidar ou mesmo ameaçar alguém a votar em um determinado candidato é considerado crime de assédio eleitoral. Isso porque o voto é secreto, pessoal e intransferível, de acordo com a Constituição Brasileira, em seu Artigo 14. Entretanto, práticas como essas seguem presentes em períodos eleitorais, e os afetados são os trabalhadores de empresas privadas e os servidores públicos. Inclusive, faltando três dias para o segundo turno das eleições 2022, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio do Ministério Público Eleitoral (MPE), precisou recomendar oficialmente que as prefeituras e as câmaras municipais de Tauá e de Parambu adotassem providências com o objetivo de prevenir e reprimir atos de assédio eleitoral praticados contra o funcionalismo público nas duas cidades.

Livre para Votar: o acompanhamento das denúncias de assédio eleitoral por parte do MP no Ceará
Coagir, intimidar ou mesmo ameaçar alguém a votar em um determinado candidato é considerado crime | Imagem: Portal GCMAIS / GCC | Foto: TSE

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A recomendação foi proferida através do promotor de Justiça titular da 19ª Zona Eleitoral, Flávio Bezerra. Nos documentos encaminhados aos agentes públicos (prefeitos, secretários municipais, vereadores e sindicatos), o promotor eleitoral ressaltou a preocupação em evitar e combater eventuais práticas de constrangimento ou de ameaça a servidores, afetando o livre exercício do direito ao voto.

“São inaceitáveis, por exemplo, ameaças de exoneração, rescisão contratual, demissão, transferência de lotação ou perda de quaisquer direitos e vantagens praticadas contra quaisquer agentes públicos, sejam efetivos, comissionados, contratados, incluindo estagiários e bolsistas, em razão de seu voto ou de sua abstenção nas eleições do próximo dia 30 de outubro”, reforçou o promotor de Justiça Flávio Bezerra na época.

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Assédio eleitoral no Ceará

A realidade do assédio eleitoral no Ceará chamou atenção neste ano. Isso porque, até o primeiro turno, o Ministério Público do Trabalho (MPT) havia recebido somente uma denúncia. Já no período eleitoral correspondente à campanha de segundo turno, foram registradas 26 denúncias – dado divulgado faltando seis dias para a votação. Segundo o órgão, a maioria das notificações tinha relação com reclamações de trabalhadores sobre a ameaça de perda de emprego caso não votassem em candidato indicado pelo empregador. Vale ressaltar também que a lista de empresas denunciadas, na iniciativa privada, contempla bancos, cooperativas, hospitais, restaurantes e supermercados. De acordo com o MPT, quase todos os estabelecimentos estão localizados na capital e na Região Metropolitana de Fortaleza.

Em nota conjunta divulgada à imprensa, o Ministério Público do Estado do Ceará, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) e a Defensoria Pública da União (DPU) reforçaram o combate ao assédio eleitoral em terras cearenses durante as eleições 2022.

“[…] cumprindo o papel de defensor do regime democrático, que lhe foi conferido pela Constituição Federal, o Ministério Público Brasileiro, aqui representado por três de seus órgãos com atuação no Ceará, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado do Ceará reafirmam seu compromisso de garantir que os direitos fundamentais dos trabalhadores sejam respeitados, em conformidade com a legislação em vigor, e informam que todas as notícias de assédio eleitoral que chegarem a seu conhecimento serão devidamente apuradas, com a adoção das providências que se fizerem necessárias para prevenir, refrear e punir a prática desse grave ilícito.”

A nota na íntegra pode ser lida aqui.

Ações do MP no combate ao assédio

O procurador de Justiça Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do MPCE, detalhou quais as principais ações do órgão em relação às denúncias de assédio eleitoral no Estado. Segundo o procurador, há a Notícia de Fato que consiste em uma demanda oficial submetida às Procuradorias e Promotorias de Justiça sobre determinada situação. E há também a Recomendação que traz orientações para determinados órgãos sobre como devem proceder em contextos específicos.

A seguir, ouça o que diz o procurador Emmanuel Girão sobre as ações realizadas neste ano pelo MPCE no combate ao assédio eleitoral.

Para a cientista política Carla Michele Quaresma, esse acompanhamento feito por parte do Ministério Público é fundamental, pois o órgão, segundo a especialista, é um guardião da ordem constitucional. Além disso, o regime democrático precisa desse amparo, pois acaba ficando vulnerável e suscetível a ataques em períodos eleitorais, ainda de acordo com Carla.

“O Ministério Público é responsável pelos direitos individuais e, nas democracias representativas, pelo direito ao voto, por isso é importantíssimo que aja esse monitoramento por parte do Ministério Público, contribuindo com o fortalecimento da democracia no Brasil”, ressaltou a cientista.

O que a lei diz sobre o assédio nas eleições?

O Código Eleitoral tem dois artigos referentes a crimes relacionados ao assédio.

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Avaliação do MP sobre as denúncias de assédio eleitoral no Ceará

Neste ano, o número de denúncias cresceu de forma considerável. O procurador de Justiça Emmanuel Girão recorda que em 2018 – período em que também houve eleições para a Presidência da República – poucas denúncias de assédio eleitoral foram registradas. Na verdade, segundo o magistrado, soube-se apenas de alguns casos isolados no Ceará. Entretanto, apesar do crescimento de denúncias em 2022, Emmanuel Girão recorda que a apuração desse tipo de crime não é tarefa fácil.

“Esse crime é um crime de difícil apuração, porque o empregado, da mesma forma que tem medo de não votar no candidato do patrão e perder o emprego, tem medo de falar ao promotor eleitoral o que aconteceu, e isso dificulta um pouco a apuração. […] Quando a denúncia chega com alguma prova, já fica mais fácil fazer a apuração. Mas quando não acontece isso, quando não vem com provas, aí já fica mais difícil, porque o empregado tem medo de denunciar e sofrer retaliação”, ressaltou o procurador.

Proibição de celulares nas sessões de votação

Por isso, para evitar que o assédio eleitoral fosse consumado, a proibição da utilização de celulares nas sessões de votação por parte dos eleitores foi uma das medidas adotadas neste ano. Inclusive, o MPCE reforçou o pedido ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para que essa prática, de fato, não acontecesse nas sessões de votação no Ceará. De acordo com Emmanuel Girão, essa proibição serve para que o sigilo do voto seja preservado e para que o “assediador” não tenha como exigir do “assediado” uma prova do seu voto.

“O assédio eleitoral é uma prática nociva para a democracia e infelizmente ainda acontece e por isso é importante tanto fazer essas ações repressivas para punir como também campanhas de educação para que os eleitoras realmente saibam que a urna é segura”, salientou Emmanuel Girão.

O assédio eleitoral na democracia brasileira

De fato, o assédio eleitoral não é algo novo no Brasil. Entretanto, a especialista Carla Michele Quaresma ressalta que essa prática esteve ao longo da história presente com mais frequência no serviço público. A novidade foi que, neste ano, o assédio passou a acontecer de forma mais incisiva em empresas privadas.

A seguir, ouça a análise que a cientista política faz da relação entre assédio eleitoral e democracia brasileira.

Denúncias cresceram no Brasil em relação a 2018

No Brasil, o número de denúncias cresceu para 2.549, segundo balanço do Ministério Público do Trabalho, divulgado no fim do dia 30 de outubro. Em 2018, período em que também houve eleições para a Presidência da República, foram contabilizadas apenas 212 notificações. Ainda segundo o órgão, o número de empresas denunciadas também teve um aumento expressivo, passando de 98, em 2018, para 1.948, em 2022. Vale destacar que as denúncias cresceram logo após o primeiro turno das eleições 2022. Já na reta final, o MPT recebeu 1.572 notificações. Foi um aumento de 2.577% só no intervalo do primeiro para o segundo turno.

Segundo o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, a impressão que fica é que a prática tornou-se algo “comum” para os empregadores. Estes acabam se vendo no direito de exigir que os colaboradores votem em determinados candidatos, conforme explicou José Pereira. Nesse sentido, as denúncias foram registradas em todas as regiões do País.

A percepção de Carla Michele Quaresma vai ao encontro da percepção do procurador-geral. Ela, inclusive, observa que neste ano houve um envolvimento muito grande de setores empresariais, sobretudo por meio da manipulação de colaboradores. Em contrapartida, os próprios trabalhadores começaram a perceber que tal prática é uma “violência política”, segundo a especialista.

“Eu acredito que o fato de termos nomeado isso, de termos estabelecido o que isso significa, fez com que as pessoas tivessem uma compreensão maior do fenômeno. Isso porque aquela alienação durante muito tempo fez com que as pessoas não se percebessem como vítima de uma violência, mas isso mudou porque elas começaram a ter consciência do que estava acontecendo.”

Ainda é possível denunciar

O procurador de Justiça Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral, recorda que ainda é possível prestar denúncia de assédio eleitoral. “Como se trata de crime, enquanto esse crime não estiver prescrito, ele pode ser denunciado, ele pode ser objeto de uma denúncia. E também esse crime não é um crime privativo de candidatos ou de pessoas ligadas a partidos; qualquer pessoa que use da coação para que o eleitor vote em um determinado candidato ou para que o eleitor não vote no dia da eleição, qualquer pessoa pode responder por esse crime”, explica.

Os cidadãos podem denunciar o assédio eleitoral pelos seguintes canais:

  • Promotoria de Justiça: faça a denúncia com promotor eleitoral da comarca;
  • Cartório eleitoral do estado: procure uma unidade e formalize a sua reclamação;
  • Ministério Público do Estado do Ceará: faça o registro na Ouvidoria do MP ou no Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel); acesse o site www.mpce.mp.br e clique em Fale com a Ouvidoria, ou ainda mande um e-mail para caopel@mpce.mp.br.

Assédio eleitoral na mídia cearense

O assunto assédio eleitoral, diferente de outros anos, ganhou bastante destaque na mídia. No Jornal da Cidade, da TV Cidade Fortaleza (canal 8.1), uma reportagem abordou o tema e apresentou como estava a situação dias antes do segundo turno das eleições 2022.

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