Multinacional e multidisciplinar, trabalho do radiotelescópio levará a ciência para o interior do Nordeste e aumentará a relevância do país na comunidade científica mundial
Projeto BINGO mapeará lado escuro do universo a partir do céu brasileiro
O apelido parece de jogador de futebol e as dimensões são próximas das de um grande estádio. E, se tudo correr como os pesquisadores esperam, ele pode tornar a ciência tão interessante quanto o esporte mais popular do Brasil. Estamos falando do radiotelescópio BINGO – acrônimo para Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations (em tradução livre, Oscilações Acústicas Bariônicas em Observações Integradas de Gás Neutro) -, também conhecido como “Diamante do Sertão”.
Isso porque ele sairá de São Paulo, onde está sendo construído, para ser instalado na Serra do Urubu, no município de Aguiar, a 257 km da capital da Paraíba. Poderá se tornar a atração da cidade e das localidades vizinhas e despertar o interesse das pessoas em um assunto que muitos consideram distante da realidade: a astronomia e a cosmologia.
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O objetivo principal do BINGO é explorar novas possibilidades na observação do universo a partir do céu brasileiro. “A proposta é estudar a energia escura e também o fenômeno Fast Radio Bursts [“rajadas rápidas de rádio”, em tradução livre], ainda pouco conhecido”, conta Elcio Abdalla, coordenador do projeto e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Assim, contribuirá com a visão do Hemisfério Sul para um trabalho sobre o fenômeno que já vem sendo realizado por meio do Chime (Canadian Hydrogen Intensity Mapping Experiment) no Hemisfério Norte.
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Projeto multinacional e multidisciplinar
O chamado “setor escuro do Universo” estará no foco das descobertas. No sertão, longe da poluição eletromagnética, será possível saber mais sobre estruturas desconhecidas da galáxia, pulsares que ainda precisam de observação e perceber novos sinais do espaço. Abdalla observa que “cerca de 95% do conteúdo energético do universo é completamente desconhecido, e o BINGO olhará para a distribuição detalhada da matéria conhecida para verificar os vínculos do setor escuro”.
O professor explica que a melhor maneira de estudar o universo e testar teorias cosmológicas é pela observação: “Um lado escuro do universo, cuja existência não desperta mais nenhuma dúvida, clama por uma dinâmica, tal como houve essa necessidade décadas atrás para a Teoria dos Campos [teoria da física que estuda como os campos físicos interagem com a matéria].”
Saber o que as estrelas significam, como são suas estruturas e em que isso interfere na nossa própria posição no mundo e no universo, são algumas das motivações do BINGO. E essas não são justamente algumas das perguntas que movem o ser humano quando se entra no mérito de quem somos, de onde viemos, onde estamos e para onde vamos?
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Da população para a população
O projeto conta com pesquisadores do Brasil, da China, África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos, Portugal, França e Uruguai que, em conjunto e à distância, pensam em soluções relacionadas à astrofísica e também à construção civil – imagine colocar um radiotelescópio desse tamanho em pé! -, à captação e análise dos dados, à ciência da computação, à matemática e ao ensino.
E não para por aí. “O BINGO vai além da construção de um radiotelescópio ao contemplar os três pilares do trabalho da Universidade: pesquisa, ensino e extensão”, afirma Abdalla.
A parte de despertar o interesse da população local em astronomia tem a ver com um dos pontos menos teóricos do projeto: a realização de aulas de ciências nas escolas de Aguiar e redondezas. O professor justifica essa faceta do planejamento:
“O assunto não é necessário apenas para a comunidade científica, mas para a população em geral. Não podemos simplesmente falar para doutores, temos que colocar as pessoas a par, já que são elas que pagam pela nossa pesquisa. O ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] do pãozinho vai para esse trabalho também. Então nós temos, até como obrigação, que contribuir para um desenvolvimento real e mostrar ao cidadão que a ciência é importante, que a ciência muda o mundo”.
A ciência como atividade democrática
Para que tudo seja possível, os recursos vêm da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do governo do Estado da Paraíba. Para um próximo momento são esperadas verbas internacionais da University of Manchester, do University College (ambos no Reino Unido), do ETH e das Universidades de YangZhou e Jiao Tong (por meio da Agência Chinesa de Pesquisas).
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Em tempos em que a ciência é alvo de cortes financeiros e sucateamento de recursos, a empreitada chama atenção por sua importância em tantas direções diferentes. “A ciência é a atividade humana mais democrática, independentemente de qualquer posição política ou econômica. Um projeto como o BINGO tem a intenção, também, de elevar a ciência como atividade humana importante e aberta a qualquer cidadão, de qualquer origem, gênero ou poder econômico”, defende Abdalla.
Para finalizar, o professor ressalta o papel que as futuras descobertas do BINGO terão na elevação da relevância do Brasil na comunidade científica mundial: “As observações desse radiotelescópio são universais. O Brasil será parte ativa na inovação científica e de várias áreas da tecnologia, estatística, matemática, análise, economia e comunicação”.
O céu, no que diz respeito ao trabalho do projeto BINGO, não é o limite.
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