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O Brasil e a corrupção

Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil, utilizou um recurso metodológico chamado de “Tipo Ideal” para caracterizar o brasileiro. Assim nasceu a figura do “homem cordial”. A cordialidade da qual fala Holanda está relacionada, na administração pública, com o personalismo e com a confusão entre o público e o privado que, a partir de 2013, tornaram-se impulsionadores dos movimentos populares que indicavam insatisfação com um modelo cordial, aparentemente, nivelador de todos os partidos do espectro político no Brasil.

Em 2014, quando a celebrada Operação Lava Jato entrou em uma fase ostensiva, com o cumprimento de vários mandados de busca e apreensão, além de prisões, vários segmentos sociais comemoraram a reunião de provas indicativas da existência de um amplo esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras e em grandes obras de infraestrutura. A despeito dos depoimentos de Sérgio e Machado e Emílio Odebrechet, acerca do modo de financiamento de campanhas eleitorais no Brasil há décadas, e de como recursos da Petrobras alimentaram o enriquecimento ilícito de quadros políticos e empresariais, o governo de plantão e os seus principais quadros foram considerados os responsáveis pela invenção das práticas de “assalto aos cofres públicos” e desmandos administrativos.

Como uma espécie de coroamento da operação, após a prisão de políticos e empresários influentes, em julho de 2017, Lula foi condenado em primeira instância a nove anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ao recorrer, teve a pena aumentada para 12 anos e um mês pela 8a turma do TRF-4, e a sua prisão foi decretada em abril de 2018. Até então o ex-presidente era o pré-candidato a presidência da República pelo PT e liderava as pesquisas de intenção de voto. A candidatura foi mantida até 1o de setembro de 2018, quando o TSE, utilizando-se da Lei da Ficha Limpa, vetou pedido de voto e exigiu a substituição do candidato.

Surpreendentemente, a aprovação de Projeto de Lei que revisa a lei de improbidade administrativa e torna mais difícil a punição de gestores públicos, não causou o furor de movimentos de combate à corrupção e defesa da moralidade na administração pública. O PL 10.887/18 uniu governistas e oposição e foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 16 de junho de 2021 com o voto de 408 deputados. Uma das principais mudanças relaciona-se com a necessidade de comprovação de intenção de causar danos aos cofres públicos.

Como em qualquer processo, o individuo acusado de praticar algum ato que esteja em desacordo com a legislação vigente, deve responder obedecendo ritos, inclusive de defesa. Mas não deveria ser cogitada a possibilidade de inocentar um agente público com a alegação de desconhecimento ou não intencionalidade do mesmo ao cometer um crime contra a administração. Se os governantes desconhecem a legislação pertinente às atividades que se dispõem a desempenhar, os partidos políticos devem capacitar melhor os seus quadros, os tribunais de contas devem instruir e fiscalizar os gestores, as casas legislativas devem monitorar e oferecer soluções aos chefes do executivo.

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Finalmente, a cultura da cordialidade somente pode ser combatida com uma educação que forme para a cidadania e com instrumentos legais objetivos e eficientes para afastar da administração pública as condutas criminosas, sejam elas intencionais ou não.

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