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Para marcar posição em uma sociedade machista, mulheres assumem mais responsabilidades no trabalho

Lídia Muradás Daniela Bertoldo, fundadora do Instituto Bert e especialista em liderança

A vida das mulheres no que diz respeito a oportunidades de emprego não é fácil, como demonstra estudo da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) baseado em análise de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme o levantamento, no referido ano, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho foi de 51,56%, 20% inferior a dos homens.

Segundo a mentora, consultora em desenvolvimento e liderança feminina, fundadora do Instituto Bert e autora do livro “Mulheres que lideram jogam juntas”, Daniela Bertoldo, tal cenário faz com que mulheres, na maioria das vezes, comprometam-se mais com o trabalho do que os homens, o que acaba levando-as ao esgotamento físico e mental. “Para piorar a situação, em geral, a maior parte das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos fica sob responsabilidade feminina”, diz Daniela, baseando-se em estudo do IBGE realizado em 2018, que constatou que as mulheres dedicam 75% mais horas do que os homens em tarefas que envolvem o cuidado do lar e das pessoas.

Essa tripla jornada a qual são submetidas acaba gerando uma série de prejuízos a elas. Isto porque, afirma a consultora em desenvolvimento e liderança feminina, profissionais que se dividem entre trabalho, casa e filhos, não são bem-vistas pelos colegas e chefes homens, que acreditam que, por sua condição, não se dedicam tanto quanto deveriam e não são ambiciosas. “Para provar que estão errados, essas mulheres se doam ainda mais, aumentando a sobrecarga e as demandas, o que dificulta que sejam cumpridas, dando vazão ao sentimento de não estar ‘dando conta do recado’, numa ‘bola de neve’ sem fim”, explica.

A descrença de seus pares e a necessidade de que precisam se provar a todo instante acarretam o desenvolvimento da síndrome de impostora. Caracterizada por pensamentos que reforçam a perda de confiança em si e a sensação frequente de não ser capaz de executar uma função ou de que o sucesso alcançado não é merecido, a síndrome costuma afetar em grande parte mulheres, diz a consultora em desenvolvimento e liderança feminina.

Como resultado, elas acabam focando ainda mais no trabalho, o que as leva ao burnout, distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultantes de situações de trabalhos desgastantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.  “A causa da doença é justamente o excesso de trabalho e a pressão por resultados, mas mulheres dedicadas aos cuidados com a casa e os filhos também enfrentam um estado de exaustão física e mental”, aponta.

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Daniela Bertoldo, consultora em desenvolvimento

e liderança e autora do livro: “Mulheres que lideram jogam juntas”

 

 

O cansaço físico e mental extremo cobra seu preço e, consequentemente, algumas das inúmeras responsabilidades que as mulheres possuem no dia a dia são negligenciadas. Conforme Daniela, como muitas precisam, a todo momento, mostrar seu valor em âmbito profissional, não raramente acabam dando menos atenção à vida pessoal. “Terceirizam o cuidado com a casa e com os filhos, o que costuma trazer um sentimento de culpa, especialmente por não conseguirem acompanhar de perto a evolução dos filhos”, afirma.

Para piorar a situação das mulheres, aumentando sua sensação de solidão e desamparo, os ambientes de trabalho não costumam ser muito afeitos a que profissionais demonstrem medos e preocupações. “Falamos de vulnerabilidade, mas não temos coragem de demonstrá-la porque a sociedade não está preparada para entender que a mulher (assim como o homem) tem suas forças e fraquezas. A vulnerabilidade não é bem-vista nas corporações”, ressalta a consultora em desenvolvimento e liderança feminina.

Com longa carreira no mundo corporativo, Daniela afirma ter presenciado, mais de uma vez, mulheres sendo boicotadas profissionalmente – por terem chorado no ambiente de trabalho – com a alegação de não possuírem inteligência emocional para ocupar determinada posição estratégica. “Pressões sociais como essas, combinadas com salários mais baixos, tripla jornada, mais uma pitada de assédio moral ou sexual. Está feita a ‘receita’ que pode levar as mulheres a problemas de saúde ainda mais crônicos e difíceis de tratar do que as referidas síndromes da impostora e o burnout. A depressão, por exemplo”, diz.

Além de distúrbios psicológicos e físicos, como a síndrome do impostor, o burnout e a depressão, o excesso de responsabilidades e o sentimento de incapacidade que dele decorre costuma prejudicar a vida em família de muitas mulheres. “Nossa vida é uma só, tudo o que experimentamos dia e noite, ou seja, não há como guardar os problemas atrás da porta do escritório e chegar feliz em casa”, comenta Daniela, destacando ser muito comum que profissionais descontem suas frustrações relacionadas ao trabalho em cima de filhos e companheiros. “Resultado: as crianças manifestam sua insegurança das mais diversas formas e os relacionamentos amorosos vão por água abaixo”, diz.

Essa lógica onde as mulheres precisam se sobrecarregar a fim de marcar posição no mercado de trabalho podem gerar desdobramentos ainda mais profundos do que aqueles relacionados meramente ao âmbito pessoal. “Á medida que nos submetemos ao sistema constituído, perpetuamos as desigualdades e moldamos a sociedade como um todo”, afirma a consultora em desenvolvimento e liderança feminina, encorajando, por fim, as mulheres a refletir sobre a possibilidade de construir uma carreira de maneira mais saudável para si mesmas e para todos os que as cercam.

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