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Erros de interpretação de texto atrapalham o primeiro passo na carreira

Carol Jesper é mestra em Educação pela USP, graduada em Letras (inglês e português, USP), com especialização em Tradução de inglês (UGF).

Uma pesquisa do Nube (Núcleo Brasileiro de Estágios) revelou que mais de 80% dos estudantes de graduação foram reprovados em processos seletivos de estágio devido ao nível gramatical insuficiente, um dado preocupante. A pesquisa, que avaliou o desempenho de 59.776 candidatos, identificou que a língua portuguesa foi o principal obstáculo para os jovens.

Para Carol Jesper, mestre em Educação e criadora do projeto Português é legal, vários fatores contribuem para essa situação. “Muitos alunos de graduação tiveram em sua vida escolar um ensino da língua portuguesa excessivamente focado em regras gramaticais isoladas, sem contexto prático e sem reflexões críticas associadas aos diferentes usos da língua. Isso enfraquece a compreensão dos recursos linguísticos e tem um impacto negativo sobre o interesse dos jovens pelos estudos”, afirma ela.

Também é possível citar a falta de hábito de leitura como um dos agravantes desse cenário, já que dados sobre o Brasil indicam que a população lê pouco. Isso afeta o desenvolvimento de repertório cultural, a ampliação de vocabulário e a compreensão de estruturas da língua. Além disso, sem contato com bons modelos linguísticos e excessivamente imersos nas redes sociais, onde predomina a linguagem informal, os jovens tendem a ficar com limitações de várias naturezas, que são confirmadas em situações avaliativas.

Se os processos seletivos do mundo do trabalho ainda dão grande peso aos conhecimentos linguísticos, o mesmo parece não acontecer em outros contextos, em que a desvalorização desse repertório é nítida. “A tradição escolar focada no ensino de nomenclaturas muitas vezes negligencia o estímulo do pensamento crítico e criativo, o que poderia mostrar aos estudantes os ganhos obtidos quando conhecem com mais profundidade os recursos da língua. Muitos estudantes acabam tratando a língua portuguesa como se fosse apenas uma disciplina escolar da qual poderão se ver livres ao concluir os estudos formais. Para muitos, infelizmente, a percepção de que o futuro profissional poderia ser facilitado por meio de conhecimentos linguísticos só ocorre quando se deparam com processos seletivos, concursos e outras ferramentas de acesso a certos espaços”, complementa Jesper.

Vale lembrar que a demanda de dominar a língua portuguesa extrapola a vida escolar: está presente nos processos seletivos e no ambiente corporativo. No mundo corporativo, por melhor que seja o conhecimento do profissional em sua área de especialidade, a forma como ele se comunica poderá ser lida como evidência de sua competência e profissionalismo (ou da falta de ambos).

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O impacto na carreira e no dia a dia do trabalho

Quando se fala em deficiência no conhecimento linguístico, não se trata apenas de falta de domínio de normas gramaticais, mas também da falta da habilidade de interpretar textos e se comunicar de modo adequado em cada ambiente. A especialista, que é autora do livro “Não foi isso que eu quis dizer” (2024), que trata de maneira descontraída da grave crise de interpretação de texto que temos vivido, confirma que o desempenho dos jovens tanto em processos seletivos quanto no ambiente de trabalho pode ser afetado pela falta dessas habilidades. “A capacidade de se comunicar de forma clara e compreender as solicitações do trabalho é essencial para demonstrar eficiência ao executar o que é proposto. Quem não interpreta corretamente instruções, por exemplo, pode cometer erros na execução de tarefas e diminuir a própria credibilidade. Isso vale tanto para um jovem que almeja a inserção no mercado de trabalho, como para um profissional em busca de progressão na carreira”, reforça Carol.

Além de a falta de compreensão ter implicações na qualidade do trabalho, também pode prejudicar a convivência entre os profissionais. Segundo uma pesquisa da Revista The Economist, 52% dos profissionais afirmaram que dificuldades de comunicação foram responsáveis por gerar conflitos dentro da empresa. Uma comunicação mais cautelosa certamente poderia resultar na redução desse cenário de conflitos. “Ressalto que isso não tem relação com não cometer erros gramaticais, mas sim com o cuidado em comunicar de forma clara as ideias desejadas, evitando espaço para mal-entendidos”, alerta Jesper.

Influência das redes sociais na língua portuguesa

O uso crescente de tecnologias e redes sociais tem influenciado negativamente a proficiência gramatical dos jovens e até mesmo de pessoas mais velhas. Embora a afirmação pareça óbvia, há muitos aspectos a serem considerados. Para Carol Jesper, o uso de tecnologias e das redes sociais tem um impacto parcial na forma como as pessoas lidam com a língua, mas não pode ser considerado vilão. “Um bom conhecimento acerca da língua portuguesa não depende de aniquilarmos o contato com usos informais ou com a variedade de falares existentes no Brasil. O ideal é que as pessoas possam ampliar seu repertório e ter as ferramentas para mobilizá-lo quando precisarem, com o discernimento para avaliar os cenários em que cada ocorrência é mais pertinente. A preocupação costuma recair sobre os jovens porque eles estão em formação e podem não ter consolidado a base necessária para um bom conhecimento linguístico, mas pessoas mais velhas também serão impactadas se dedicarem tempo excessivo a redes sociais ou a ambientes em que circulem textos com alto grau de informalidade. Vale lembrar que há muitos recursos virtuais gratuitos que podem facilitar o estudo dessa faceta mais formal e normativa da língua, como dicionários, gramáticas e guias de consulta”.

Para a especialista, quem não teve uma boa base escolar não precisa perder as esperanças. Além das ferramentas mencionadas, os jovens candidatos também podem buscar temas do próprio interesse para intensificar a leitura e passar mais tempo em contato com bons modelos linguísticos. No caso dos profissionais que já estão no mercado de trabalho, a responsabilidade pode ser compartilhada com as empresas, que podem investir em treinamentos para os times. “Trata-se de uma forma de incentivar o aperfeiçoamento dos colaboradores e de demonstrar a valorização do bom uso da língua, sobretudo aquele voltado à clareza, à eficiência e ao respeito no ambiente de trabalho”, complementa Jesper.

Mini bio

Carol Jesper é mestra em Educação pela USP, graduada em Letras (inglês e português, USP), com especialização em Tradução de inglês (UGF). Ela é autora de livros didáticos, já trabalhou nas maiores editoras de educação do país e tem experiência como professora de português, redação e inglês.

Carol é autora do livro “Não foi isso que eu quis dizer!”, pela Ed. Maquinaria, onde explora os mal-entendidos e equívocos de interpretação de texto na vida cotidiana, além de trazer estratégias práticas para desenvolver as habilidades de leitura e comunicação.

Hoje, Carol se comunica com quase 300 mil pessoas através das suas redes sociais, desmistificando a complexidade da língua portuguesa e ensinando sobre os assuntos mais diversos dessa área de forma simples, bem-humorada e profissional. Ajudando a tomar gosto pelo aprendizado do idioma e aplicando os conhecimentos no dia-a-dia.

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