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Diótrefes, Elias e a era das lives bombásticas

São as estátuas de sal da nossa era digital, incapazes de olhar para frente, presos em suas próprias feridas e desafios não superados.

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7 de setembro de 2024
Padre Vanderlúcio Souza

Certo, eu confesso: a tentação de clicar naquela notificação de “live bombástica” é quase irresistível. Afinal, quem não quer ver o showzinho de egos, os ataques velados (ou nem tão velados assim) e o drama que só quem vive de alimentar o próprio eu pode oferecer? Mas antes de você cair nessa armadilha digital, que tal darmos uma olhadinha na história?

Diótrefes, Elias e a era das lives bombásticas

Lá no século I, um sujeito chamado Diótrefes decidiu que o púlpito era um  lugar para plantar discórdia. Um personagem tão relevante que São João precisou dedicar umas linhas da sua carta para alertar sobre o tipo (III João 1, 9-10). Falando mal da liderança, expulsando quem não concordava com suas ideias — típico, não? Agora, se Diótrefes tivesse uma conta no Instagram, é bem provável que ele estivesse ao vivo todo dia, caçando um pouco de atenção, falando mal dos outros, em suma, destilando veneno para seus seguidores. Uma performance digna de pessoas ensimesmadas e fracas de caráter. 

Elias de Cortona, outro que adorava um holofote, seguiu caminho semelhante, no século XIII. Mas olha só que ironia: o homem que queria implantar suas ideias na Ordem Franciscana e foi um dos primeiros seguidores do Pobrezinho de Assis terminou seus dias aliado com Frederico II, um dos maiores inimigos da Igreja. Na atualidade seriam colegas de live, certamente.  Parece familiar? Talvez um pouco, se pensarmos em como pessoas de hoje se aliam a quem pode lhes dar alguns cliques, não importa se estão pisando no estilo de vida que antes juravam defender.

Agora, voltemos ao presente. A curiosidade de assistir a essas lives recheadas de amargura pode parecer inofensiva, mas será mesmo? Quem curte, comenta e compartilha está, na verdade, dando palco para esses novos Diótrefes. Estão contribuindo para que eles ganhem mais visibilidade, mais espaço para espalhar suas palavras azedas. E o que se ganha com isso? Nada além de um vazio existencial, alimentado pelo espetáculo de quem só sabe viver da crítica.

Então, antes de dar aquele clique curioso, pense duas vezes. Esses amargurados de plantão já decidiram enterrar seus próprios sonhos e agora tentam arrastar os outros junto. São as estátuas de sal da nossa era digital, incapazes de olhar para frente, presos em suas próprias feridas e desafios não superados.

E se ainda restar alguma dúvida, lembre-se: cuidado com o fermento dos fariseus digitais. Eles podem até estar ao vivo, mas sua mensagem já está morta.

Imagem: A fofoca, de Albert Edelfelt.

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