Quando o relógio marcou quatro da tarde no dia 17 de março, Paula* recebeu uma mensagem no celular do seu principal cliente, que desmarcou o encontro que ocorreria pela noite. “Ele me disse que não teria como a gente se encontrar naquela noite, porque liberaram o pessoal do trabalho dele para o home office devido ao Coronavírus. Desde então, eu senti que a situação ia pesar muito para o meu lado”, explicou.
A sobrevivência financeira de Paula através do próprio corpo começou cedo. Aos 14 anos, reagiu a uma investida masculina e cobrou por isso. Aos 16, a prática ficou ainda mais frequente. Hoje, com 28 anos, ela conta com orgulho que paga o próprio aluguel e conseguiu se formar em Administração com o dinheiro dos serviços. Mas nem sempre foi assim.
Paula é a segunda filha de uma dona de casa e de um operário da construção civil. “Nunca passei fome, mas a situação da gente sempre foi difícil. Tinha mês que meu pai não ganhava uma boa quantia, a situação pesava mesmo. Com 14 anos, um cara deu ‘em cima’ de mim. E aquilo despertou em mim a oportunidade de usar a situação a meu favor, envolvendo dinheiro, claro. Depois dos 16, passei a fazer isso de maneira mais frequente. Até que saí de casa e fui morar em uma quitinete no Centro. De lá para cá, minha vida mudou muito. Para melhor, graças a Deus”, contou.
A atuação profissional não é mencionada na família. “Ajudo meus pais e meus irmãos e sinto que eles desconfiam de alguma coisa, mas não falam nada porque é cômodo receber dinheiro meu todo mês para ajudar a pagar as contas. Então, está tudo certo”, disse.
Quando o assunto é saúde, ela não mede esforços para se cuidar: mantém uma alimentação balanceada, todos os dias vai à academia e, mensalmente, marca presença no SAE (Serviços Ambulatoriais Especializados) Carlos Ribeiro, administrado pela Prefeitura de Fortaleza no bairro Jacarecanga. Na unidade de saúde, Paula realiza, gratuitamente, exames para detectar HIV, Sífilis e Hepatite B e C.
“Vou todo mês lá. É de graça. As meninas são um amor e até já me conhecem. Tenho um papo aberto com os psicólogos, (eles) sabem e respeitam a questão da minha profissão e abordam os cuidados que preciso ter sempre de forma muito respeitosa e profissional. Tenho total noção dos riscos que corro. Atendo homens, mulheres, casais. Então, preciso ter muito cuidado sempre”, destacou.
A pandemia praticamente obrigou Paula a se adaptar à nova realidade. “As coisas estão mudando aos poucos. Entre março e maio, foi mais complicado. Eu atendia meus clientes com a condição de tanto eles como eu estarmos de máscaras, mas isso afastou muitos deles, que não aceitavam a ausência do beijo, por exemplo. Foi nessa época que decidi atender também virtualmente. Mas isso acontece mais com clientes que não são do Ceará. O pessoal daqui prefere a ‘coisa’ mais real, física, entende? Desde junho, tenho sentido a volta da rotina. Muitos clientes até dizem que ficou mais fácil enganar as esposas, eles falam que elas precisam ficar em casa para evitar se contaminar com Covid (risos)”, concluiu.
Descoberta de uma profissão
Lauro*, de 36 anos, viu na demissão motivada pela pandemia do novo coronavírus uma forma de inovar profissionalmente e não sofrer com a falta de dinheiro. “Quando eu soube da minha demissão logo após o início da pandemia, fiquei sem chão. Sabia que corria o risco, mas não imaginei que fosse ocorrer logo. Uma amiga minha que atende (sexualmente) me aconselhou a começar o trabalho pela internet por conta do meu porte físico. Não me imaginava tirando a roupa para alguém por grana. Mas a vida tem dessas”, afirmou.
Segundo ele, os familiares não fazem ideia do trabalho desempenhado atualmente. “Moro sozinho há dez anos, pago minhas contas, então não tem muito essa de dar satisfação para a minha família. Eles sabem que eu estou desempregado, mas nem sonham em como tenho levado a vida para ter dinheiro. Na verdade, nem eu imaginei isso um dia (risos)”, brincou.
A questão financeira é crucial para Lauro conseguir executar seu trabalho. “Primeiro, o cliente paga. Atendi um casal uma vez, mas só costumo ser solicitado por outros caras. Quando vejo a grana (ser confirmada) na minha conta, eu marco o horário e começo o serviço. Prefiro atender na parte da noite, tomo algum drink para me soltar e fico de 30 minutos a uma hora realizando os desejos dos clientes”, enumerou.
Heterossexual, ele não pensa, por enquanto, em atender presencialmente. “Esse é um passo que posso dar em breve. Por enquanto, acho que ainda não consigo. Por mais que eu não seja gay, mas consigo tirar a roupa para outros caras pela internet, imagino uma mulher gostosona na minha mente e consigo manter a ereção. Mas pensar em fazer isso no corpo a corpo é um pouco complicado ainda. Tenho amigos gays, lido bem com todos eles, sou acostumado a receber cantadas e alguns olhares mais indiscretos, mas ainda não me envolvi fisicamente com outro homem, chega a ser estranho pensar nisso. Tenho uma amiga que fala que é questão de costume, que é só focar na grana e deixar rolar. Uma coisa é certa: atendimento presencial vai me proporcionar um ganho muito maior”, argumentou.
Com serviços virtuais que variam de R$ 80 a R$ 500, dependendo do tipo de proposta realizado, Lauro não sabe como será o futuro na profissão. “É algo que tento nem pensar. As coisas ainda estão se ajustando com esse pós-pandemia. Sei que não quero ficar velho fazendo isso, até porque a idade chega para todo mundo e a tendência é a procura diminuir. Mas não posso negar que, atualmente, estou ganhando mais dinheiro do que no meu antigo trabalho. Detalhe: ganhando mais e tendo muito mais tranquilidade e tempo livre. Acordo depois das 10, vou para a academia todas as tardes e minha conta está sempre com saldo negativo. Só não pretendo me acomodar nesse ramo, mas estou focando minha vida só no hoje mesmo. O amanhã a Deus pertence”, finalizou.
Caminhos que se cruzam
Paula e Lauro são amigos. Foi com ela que ele perdeu a virgindade. Desde então, mantêm contato. Ela, inclusive, foi a responsável por convencer o amigo, até então desempregado, a atuar profissionalmente pela internet utilizando o próprio corpo. Os dois são a prova de que, por opção ou necessidade, suas formas de trabalho existem e merecem respeito.
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados, que optaram por não se identificar