Desde que o Banco Central do Brasil iniciou seu ciclo de reduções da taxa básica de juros, chegamos a um patamar de 2% ao ano, algo que seria considerado impossível para aqueles que viveram o período de inflação do governo Sarney ou Collor. Naquela época, muitos julgavam que se os juros básicos fossem de 2% ao mês já haveria uma revolução na economia nacional.
Por que um fato desta magnitude não é celebrado? Em primeiro lugar, vale lembrar que as quedas consecutivas da taxa Selic ocorreram por causa de um baixo nível da atividade econômica no Brasil, e indicadores mostravam uma inflação controlada, de tal modo que tivemos uma deflação histórica medida pelo IPCA nos meses de abril e maio deste ano.
A queda na taxa de juros tem como função básica desestimular o investimento em portfólio e aumentar a atividade econômica, tornando o consumo no presente mais atrativo para as famílias e melhorando as condições de aquisição de bens com alto valor agregado como automóveis e imóveis. Neste sentido, a queda da taxa de juros efetivamente estimula a demanda agregada e se mostra como uma política monetária eficiente.
Outro importante fator positivo para o contribuinte brasileiro é que, com a queda na taxa Selic, os títulos da dívida que são indexados à taxa básica passam a remunerar seus detentores com valores menores, o que na prática gera uma economia para o Tesouro Nacional com o serviço da dívida pública. Segundo dados do Ministério da Economia, somente em 2019 o Tesouro Nacional economizou 68,9 bilhões de reais com juros da dívida. O efeito prático é que quanto menos juros o Tesouro Nacional paga, mais recursos dos impostos podem ser alocados em serviços públicos como saúde, educação e segurança.
Contudo, esses não são os únicos efeitos de uma taxa de juros básica ao nível de 2% ao ano, e muitos economistas acreditam que extrapolamos o limite de uma política monetária eficiente, lançando-nos em uma armadilha. Apesar dos efeitos positivos para o incentivo ao consumo das famílias, e com uma diminuição do custo com juros, é importante lembrar que existe uma quantidade significativa de investidores internacionais que alocam seus recursos no Brasil tendo em vista as antigas taxas de juros que, quando eram maiores, eram bastante atraentes.
Esses investidores contribuíram positivamente de duas maneiras para o Brasil, a primeira pela ajuda na composição das reservas internacionais de dólar junto ao Banco Central, que hoje estão entre as dez maiores do planeta, em torno de 356 bilhões de dólares em setembro deste ano, e que oferecem um importante “colchão” capaz de absorver choques externos, impedindo crises cambiais ou que efeitos adversos impactem diretamente o nível de preços na economia nacional. A segunda maneira é mantendo um fluxo de recursos capaz de preservar a cotação do dólar relativamente estável, não gerando impactos inflacionários em insumos, o que é fundamental para a manutenção do nível de preços.
Quando o Banco Central começou seu ciclo de diminuição da taxa Selic, o efeito direto foi não apenas uma redução desse fluxo de entrada de dólares, mas acompanhamos também expressivas saídas de recursos que começaram a diminuir nosso estoque de reservas internacionais, já que os títulos brasileiros não se tornavam mais tão atraentes quando comparados a outras economias emergentes. A saída de dólares já se mostra um problema complexo, pois estamos nos aproximando de uma cotação perto dos R$ 5,80 por dólar, o que já começa a pressionar o preço de insumos importados, e de máquinas e equipamentos, o que deve gerar o retorno da inflação em 2021.
Outro importante fator negativo foi que acompanhamos os resultados indesejados de fundos de investimentos DI, considerados seguros para os investidores conservadores, principalmente por estarem atrelados ao CDI e composto por papéis indexados à taxa Selic. Dado que esses papéis também funcionam por meio de um sistema de oferta e demanda, a forte queda da taxa Selic fez com que vários desses papéis se desvalorizassem, incorrendo em rentabilidade negativa para os investidores que eram acostumados a receber anos a fio rentabilidades positivas, pois estavam investindo nos títulos indexados à taxa mais simples da economia, que até então sempre fora positiva. Vale ressaltar que um desdobramento desse efeito foi a migração de muitos investidores pessoas físicas para a bolsa de valores, optando por correr um pouco mais de risco dentro dos seus portfólios para obter taxas melhores de remuneração em um longo prazo, apesar dos problemas estruturais da economia brasileira.
Neste contexto, criamos uma situação que os italianos chamam de “trapola” ou armadilha, pois, ao manter uma taxa básica de juros muito baixa, nos atuais 2%, geramos efeitos positivos para o consumo e para a dívida pública e ao mesmo tempo pressionamos negativamente nossas reservas internacionais, a taxa de câmbio e o mercado de títulos de renda fixa, o que deve nos levar a um cenário inflacionário que invariavelmente forçará a autoridade monetária a elevar os juros para manter o nível de preços sob controle no futuro.
Existe uma solução para essa situação em que nos encontramos? Não é um caminho fácil, mas, para que possamos voltar a um patamar do dólar e da Selic que equalizem tanto nosso consumo interno quanto o aumento ou a manutenção das nossas reservas internacionais, é imprescindível que adotemos o caminho das reformas estruturais na administração pública, a reforma tributária e principalmente a reforma do pacto federativo. Esse conjunto de reformas será importante para garantir a credibilidade fiscal, a manutenção do modelo do tripé macroeconômico e principalmente a confiança dos investidores nacionais e internacionais na solidez fiscal e na robustez econômica do Brasil.
Como dizem os italianos, “siamo tutti nella trapola”, infelizmente torna-se aparente que, para um país com as características macroeconômicas do Brasil, uma taxa de juros de 2% ao ano não parece ser sustentável em um longo prazo.