Com mais de dois séculos, sonho de Dom Pedro II está próximo a se tornar realidade
Águas do São Francisco podem chegar ao Castanhão nas próximas horas
O sertão cearense está em festa desde o começo de março, quando foi aberta a comporta do km 53 do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), dando início à viagem das águas do Rio São Francisco pelo interior do Estado. O ápice desse trajeto pode acontecer nas próximas horas, quando a transposição chegar ao seu principal destino por aqui, o açude Castanhão.
A estimativa inicial era que o deságue no Açude Castanhão acontecesse em até um mês, mas acabou antecipada para o próximo fim de semana. O prazo, no entanto, teve mais um adiantamento, segundo o secretário de Recursos Hídricos do Ceará, Francisco Teixeira. “As calhas dos rios estão bem úmidas e com bastante fluxo natural, o que ajudou muito nesse processo de transferência. Mas no final a tendência é que a velocidade diminua, pois a calha do Rio Jaguaribe é muito larga, maior que os demais, ensejando o espalhamento da água”, detalhou.
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No Ceará, as águas do Velho Chico, como o rio é conhecido, já passaram por Jati, Missão Velha, Icó, Aurora e Lavras da Mangabeira. Com a chegada ao Castanhão, o projeto deve beneficiar cerca de 4,5 milhões de habitantes que moram em Fortaleza e nos municípios da Região Metropolitana.
Um mapa digital, desenvolvido pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) e Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH), realiza o monitoramento das águas da transposição. O traço em azul mostra o percurso já feito até o Castanhão. Confira em tempo real:
Castanhão e o sonho do Império
A transposição do Rio São Francisco se tornou realidade mais de dois séculos após o sonho de Dom Pedro II, então imperador do Brasil, que pretendia capitalizar politicamente a iniciativa a seu favor.
“No século 19, a ideia de nação ainda não estava cristalizada no Brasil. As províncias mais distantes não se sentiam parte do Império, e havia o temor de que nelas explodissem movimentos separatistas semelhantes aos da Colônia e da Regência. Dom Pedro II, então, se apoiou na seca para forjar a imagem do imperador que não se descuidava de nenhum ponto do país”, explica o historiador Gabriel Pereira de Oliveira, à Agência Senado.
O monarca ainda fez uma excursão à região, que na época era chamada de Norte. O projeto não andou por falta de base parlamentar.
Em 1852, o deputado pernambucano Venâncio de Rezende disse que era necessário “dar vida ao Ceará”, província em que “homens se deitam ricos e acordam pobres” pela seca. O apoio, no entanto, não representa um gesto de benevolência, afinal, para chegar ao Ceará, o canal deveria passar por Pernambuco. “Temos de fazer um canal do Rio de São Francisco que, atravessando esses sertões estéreis, não só lhes leve a fertilidade, como vias de comunicação”, disse no plenário, segundo os arquivos do Senado Federal.
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Embates
De acordo com o historiador Pereira de Oliveira, os parlamentares das províncias nortistas eram minoria no Parlamento, dificultando a aprovação de recursos e projetos que beneficiavam a região. O Ceará, por exemplo, contava com cinco nomes no Legislativo. A situação era sempre criticada pelos nomes da base.
“O Ceará não é considerado para os benefícios. Só é considerado para dar soldados e dinheiro para o Império”, lamentou Senador Pompeu, em 1871. “Tudo se concede para Minas [Gerais], ao passo que para o Ceará é preciso pedir licença, uma petição com muito cuidado, um “espero receber mercê”, disse o senador Viriato de Medeiros, em 1884.
Depois de tanto conflito, o projeto saiu do papel em 2007, sob o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após uma década de obras, coube a Michel Temer, líder do Executivo em 2017, inaugurar o ousado projeto. No Ceará, a comporta que permitiu a chegada das águas do manancial contou com a participação do presidente Jair Bolsonaro. “Vai ajudar na agricultura e levar água para o cidadão nordestino. É uma novela que está chegando ao fim”, disse.
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