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Especialista aponta os prejuízos e desafios do ensino na pandemia: “educação é prioridade para uma nação”

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Os profissionais aprovados no concurso público já devem ser incorporados ao quadro de docentes da Rede Municipal no próximo ano letivo.(Foto: Prefeitura de Fortaleza).

Salas de aulas vazias e portões de escolas fechados. Esse é o cenário que diversas cidades do Brasil apresentam desde o início da pandemia de covid-19, em março do ano passado. Estudantes e professores precisaram se desdobrar para tentar se adequar a um modelo de ensino remoto ou híbrido. Mas esse formato, infelizmente, ainda não é capaz de atingir toda a população e, por isso, pode agravar a desigualdade na educação do nosso País. Ao mesmo tempo, retornar às atividades presenciais pode gerar riscos à saúde dos professores que ainda não foram vacinados contra a covid-19.

Para Ismael Rocha, diretor acadêmico do Instituto de Tecnologia e Educação (Iteduc), mais do que voltar para o modelo presencial, é preciso pensar em políticas de estado para a educação. Ele explica que o País já vê os impactos da pandemia na formação de crianças e adolescentes, e a situação pode ficar ainda mais grave.

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Em entrevista ao GCMAIS, Ismael Rocha fala sobre o aumento da evasão escolar, o crescimento da desigualdade, a necessidade de políticas públicas para educação e a vacinação de professores contra a covid-19. Confira:

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GCMAIS: Ismael, após mais de um ano de pandemia, quais são os impactos que a gente já vê na educação brasileira?

Ismael Rocha: O primeiro grande impacto que é possível identificar é o alto índice de evasão. As crianças e os adolescentes não estão percebendo qualquer ganho naquilo que eles estão recebendo, na dinâmica de ensino e aprendizagem. Essa desmotivação acaba fazendo com que aconteça uma evasão extremamente grande. A educação não é um empilhamento de conhecimentos, mas um encadeamento de informações e conhecimentos para que os alunos consigam estabelecer uma lógica, um entendimento da realidade que eles estão recebendo e, a partir daí, quando essa construção faz sentido, eles começam a colocar tudo isso numa relação de dia-a-dia e de vida. Quando tudo isso deixa de acontecer, há uma enorme desmotivação. E a evasão hoje, já medida estatisticamente, mostra um aumento significativo.

É possível que isso seja retomado assim que a pandemia acabe? É uma dúvida que a gente tem. Porque nós não temos histórico em relação a isso.

Outro aspecto que temos que levar em conta é, infelizmente, essa defasagem em termos de ensino e aprendizagem. Isso porque as escolas públicas não estão conseguindo fazer essa entrega, exatamente por terem dificuldades em trabalhar numa relação online ou a distância. Essa defasagem será muito prejudicial para os meninos e meninas de idade escolar. Talvez nós teremos uma geração, ou algumas décadas, para que a gente retome o padrão que anteriormente vinha sendo trabalhado. Esse déficit é bastante pesado e será muito difícil, a curto prazo, conseguir rever.

GCMAIS: E quais são os efeitos que ainda estão por vir?

Ismael Rocha: Os impactos que virão estão ligados a uma exclusão social ainda mais significativa do que aquela que a gente vive hoje, em função dessa defasagem de informações que esses meninos estão recebendo. A educação é o caminho para que a gente diminua a desigualdade, porque nós criamos oportunidades iguais para todos. Quando essas oportunidades se tornam cada vez mais desiguais, ou seja, algumas pessoas conseguem caminhar numa determinada velocidade e outras, talvez a grande maioria, numa velocidade significativamente menor, nós teremos, lá no final, um grupo de meninos e meninas com um conhecimento bastante aquém daquilo que se é esperado.

GCMAIS: Muitas escolas particulares conseguiram retomar o ensino presencial, mas isso ainda não é uma realidade nas escolas públicas. Essa situação aumenta a desigualdade?

Ismael Rocha: Certamente que sim. Essa desigualdade se torna cada vez mais crítica porque eu terei um grupo de meninos e meninas com uma informação privilegiada, com o conhecimento de coisas que os colocam de frente para uma realidade que o mundo está vivendo e, consequentemente, eles se tornam atores nesse processo todo. E uma grande maioria, que estará defasada em relação a essas informações, vai transformar esse grupo de meninos e meninas não como atores, mas como espectadores. Para um país como o nosso que precisa de um grau de crescimento para se tornar competitivo, para que a qualidade de vida melhore, isso só vai trazer notícias que não serão tão agradáveis para a nossa realidade brasileira. Essa defasagem é negativa para todo mundo. É por isso que nós precisamos pensar num projeto de Brasil, num projeto de Estado, e não num projeto de governo. Porque essa defasagem vai impactar a indústria, vai impactar toda a relação do agronegócio, que hoje é muito importante. Ela vai impactar a indústria do turismo, que é, hoje, uma das fontes principais de receita. Se não tivermos pessoas preparadas para participar como atores dessas indústrias, não como espectadores, não como fazedores de tarefas, nós realmente teremos uma dificuldade de nos tornar, a curto ou a médio prazo, um país que a gente possa vir a se orgulhar. Infelizmente.

GCMAIS: Mas esse período de aulas remotas também trouxe alguma vantagem ou inovação para a educação do nosso País?

Ismael Rocha: Sim, nós não podemos olhar para esse período apenas com um olhar negativo. Porque, naquelas escolas que conseguiram implementar, a aula remota trouxe para esses meninos e meninas a oportunidade de que eles desenvolvessem algumas competências que são exigidas hoje e que estão na BNCC. A BNCC é a base nacional que define qual é o padrão de conhecimento e de informação que os meninos e meninas deverão ter ao finalizar o Fundamental II e o Ensino Médio. Na BNCC nós temos algumas competências que o ensino híbrido ou o ensino virtual consegue desenvolver com uma velocidade maior. Eu vou dar um exemplo: a autonomia. Hoje, a autonomia é uma das competências exigidas para esses meninos e meninas que estão se formando no ensino médio e vão para o mercado de trabalho. Porque a autonomia é a capacidade de resolver problemas, que é uma outra competência exigida. O ensino virtual traz esse tipo de coisa, porque o menino precisa pesquisar, precisa definir o horário de estudo dele, precisa estar presente na sala virtual de aula, porque se ele não estiver, não terá aquela informação. Não é o professor ali, do lado dele, cobrando para que ele preste atenção, é uma autonomia, um aprendizado e esse é um aspecto extremamente positivo. A outra competência que isso trouxe é a capacidade de trabalhar em grupo virtualmente. Ensino remoto e ensino híbrido trouxe essa expectativa. Porque no mundo, hoje, nós temos uma pessoa trabalhando no Brasil, uma pessoa trabalhando na Índia, uma no Japão e outra no Canadá, todas trabalhando no mesmo projeto. Quando estamos trabalhando no ensino híbrido e ensino remoto, isso começa a fazer parte da realidade desses meninos e meninas. Existem sim aspectos positivos e nós temos que aproveitar para que tenha alguma coisa de resultado positivo nesse processo todo que estamos vivendo.

GCMAIS: Na sua opinião, o que justifica que as aulas presenciais ainda não tenham retornado? O que devemos cobrar do poder público?

Ismael Rocha: Antes mesmo de pensarmos na volta e termos um padrão de cobrança ao poder público, nós podemos pensar de que maneira essas dinâmicas de ensino e aprendizagem mediadas por uma plataforma poderiam acontecer para atingir 100% das crianças, adolescentes e jovens do Brasil. Hoje, nós estabelecemos que o ensino híbrido e o ensino virtual é mediado por uma plataforma chamada computador, mediado pela internet. Isso não atinge todas as pessoas e a gente sabe bem disso. Porque um percentual bastante grande de crianças e adolescentes não têm acesso à banda larga e internet. E boa parte daquelas que têm acesso à internet não tem equipamento que permita que elas assistam às aulas, porque a família tem três, quatro crianças dentro de casa e tem um telefone celular, muitas vezes, quando no máximo tem um computador.

Nós pautamos a nossa história por uma tecnologia que não é acessível para boa tarde das crianças e adolescentes do Brasil. A primeira coisa que nós temos que pensar é: se continuarmos nessa pandemia, ou mesmo depois que ela terminar e a relação do ensino híbrido se tornar uma realidade, de que maneira nós podemos levar essas informações para todas essas crianças em idade escolar?

Alguns países já encontraram alguns caminhos. Muitos países estão utilizando as televisões estatais. E nós sabemos que as televisões estatais chegam em todas as regiões do Brasil, mesmo as mais distantes, através das antenas parabólicas. Podemos usar esse sinal das televisões estatais para trabalhar o ensino remoto. Nós temos as rádios estatais aos montes, temos rádios comunitárias, elas poderiam ser utilizadas, porque sempre vamos encontrar uma casa em que existe um rádio. E se isso fosse planejado nós teríamos 100% das crianças, adolescentes e jovens, com ensino de qualidade. Mas é preciso criar uma dinâmica diferente daquilo que foi proposto pelo poder público, alguma coisa que possa fazer sentido e atender a todas as crianças, jovens e adolescentes.

GCMAIS: Quais são os desafios que vamos encontrar quando for possível voltar para o ensino presencial?

Ismael Rocha: O ensino, quando ele retornar presencialmente, será muito diferente daquilo que tínhamos até março de 2020. Nós não podemos voltar como se toda a população de estudantes tivesse tirado férias nesse tempo todo. Porque a realidade mudou, o tempo mudou, o processo socioeducativo e socioemocional teve um impacto grande em todos eles. A primeira coisa que a gente deve observar é de que maneira essas crianças voltarão para a sala de aula. Eu tenho, infelizmente, ouvido alguns líderes colocarem a informação de que as crianças voltarão e nós teremos dois anos em um. Isso é impossível. O aprendizado, a educação, não é algo que a gente empilha. Nós precisamos receber essas crianças e precisamos dar a elas todo um encaminhamento para que elas se sintam, novamente, fazendo parte de uma escola presencial.

GCMAIS: E como podemos começar a trilhar o caminho para esse retorno às aulas presenciais?

Ismael Rocha: Se nós tivéssemos vacinado todos os professores prioritariamente, nós já teríamos, possivelmente, a volta das crianças para as salas de aula. Os professores representam um ativo para uma nação. Mas, infelizmente, no Brasil, os professores não têm o apoio, não têm representatividade nem são valorizados como deveriam ser. Eles foram colocados para apagar um incêndio. “Se vira, porque agora, professor, o ensino é remoto. Faz alguma coisa”. As diretorias acadêmicas, as secretarias de educação do município, do estado e o Ministério da Educação, não olharam para o professor em nenhum momento. Deu a ele, sim, a responsabilidade de resolver o problema. Mas capacitar esse professor, vacinar esse professor, dar a ele ferramentas para que ele pudesse trabalhar dentro do ensino virtual de uma maneira profissional, isso não aconteceu.

Nós temos algumas coisas por fazer, temos algumas coisas por olhar. Não é simplesmente retomar e colocarmos novamente as crianças dentro das salas de aula. Porque essas crianças tiveram um rompimento dentro do processo educacional. É por isso que a avaliação socioemocional deve ser o primeiro aspecto a ser trabalhado em sala de aula para que depois a gente retome o ensino de língua portuguesa, matemática e assim por diante.

Há muito por fazer, mas nós precisamos de um projeto de Estado para que a gente possa nos redimir desse déficit que estamos trazendo para as crianças do Brasil. É por isso que é importante que esse tema seja colocado sempre na pauta. Que a educação seja colocada no nosso dia-a-dia, que os pais possam conversar com os seus filhos sobre educação. Conversem com os seus amigos, falem sobre isso na fila do ônibus, no trabalho, falem sobre educação. Educação é prioridade para uma nação. Nós só seremos uma nação com maior autonomia através de uma educação que realmente seja transformadora. Esse é o nosso desafio.

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