Uma mulher negra de 82 anos foi resgatada de trabalho análogo à escravidão, em Ribeirão Preto (SP), durante operação do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Polícia Militar e do Ministério do Trabalho e Previdência.
No começo de dezembro, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 815 mil do casal que mantinha a vítima trabalhando como empregada doméstica, sem salário nem folgas e controle de ponto. Visando reparar a submissão e os abusos praticados pelos réus, um empresário e uma médica, o valor será transferido para a trabalhadora, que ainda receberá seguro-desemprego e verbas rescisórias.
A empregada passou 27 anos trabalhando para a família sem remuneração, “sonhando em ter uma casinha”. Ela acreditava que a patroa juntaria dinheiro para realizar seu desejo. Segundo a investigação, os empregadores a enganaram durante o período e alegavam não pagar o salário, pois estavam guardando dinheiro para ela.
O resgate ocorreu no dia 24 de outubro, após o MPT receber uma denúncia anônima a respeito do trabalho análogo ao de escrava no endereço do casal. Durante a operação, os auditores fiscais foram recebidos pela empregadora com frases como “minha vontade era de te esganar” e “eu queria te bater, se eu pudesse”. Em dado momento, segundo o MPT, ela tentou fugir com a vítima, mas foi reconduzida ao local pelos policiais militares. Por fim, ainda tentou impedir a entrega de documentos pessoais.
A vítima relatou trabalhar todos os dias sem receber, e que até seu BPC (Benefício Previdenciário Continuado) ficava sob a posse da patroa. Durante as diligências, os agentes constataram que não havia recibos de pagamento nem de conta-corrente para pagamento de salário à vítima.
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A única quantia paga pelos patrões era de cerca de R$ 100, enviados mensalmente ao irmão da vítima, que vivia em Jardinópolis (SP).
“A empregada possuía um benefício assistencial, e a empregadora fazia o gerenciamento daquele recurso e adquiria os gêneros de primeira necessidade para a trabalhadora com esses recursos que eram passados pelo governo. Salário nunca recebeu. Ela tinha o sonho grande de ter uma casa em recompensa por todos esses anos de trabalho, e ela expressava isso. Ela tinha essa crença muito forte de que receberia essa casa da empregadora”, explicou a auditora fiscal do trabalho Jamile Freitas Virginio.
A vítima contou que começou a trabalhar como doméstica para outra família, ainda criança, e posteriormente foi “cedida” aos atuais patrões. Em um contexto de vulnerabilidade, sem possuir estudos nem qualquer relacionamento, ela se submeteu à situação de trabalho escravo.
“Mulher, negra, de origem humilde, analfabeta, ela é mais um exemplo de interseccionalidade, uma vez que evidencia a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade, as quais permitiram que tantos anos se passassem sem que a presente situação de exploração fosse descoberta pela comunidade que rodeava a família”, afirmou o procurador Henrique Correia.
Além de condenados a pagar cerca de R$ 800 mil, os patrões podem ter seu nome incluído na “lista suja do trabalho escravo”.
Saiba como identificar e denunciar trabalho análogo à escravidão
O trabalho análogo à escravidão moderna pode ser identificado por qualquer pessoa e tem as seguintes características:
• Trabalho forçado (indivíduo submetido a exploração, sem poder deixar o local por conta de dívidas ou ameaças);
• Jornada exaustiva (horas diárias ou dias por semana desgastantes, que põem em risco a saúde do trabalhador ou trabalhadora);
• Servidão por dívida (trabalho para pagar dívidas ilegais que “prendem” o trabalhador à atividade);
• Condições degradantes (elementos que indicam a precariedade do trabalho: alojamento insalubre, alimentação de baixa qualidade, maus-tratos, ausência de assistência médica, saneamento básico e água potável).
A denúncia de um caso de trabalho escravo pode ser realizada pelo Disque 100. A notificação do Ministério Público do Trabalho pode ser feita pelo MPT Pardal, aplicativo disponível nos sistemas Android e iOS. A Detrae, divisão do governo federal, recebe denúncias por meio deste link.
*Com informações do portal parceiro R7.
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