As facções criminosas no Ceará, em meio a ações para expandir e conseguir novos recrutas, vêm atraindo jovens para o crime organizado, com volume expressivo de crianças e adolescentes participando das ações ilícitas.
Esses jovens acabam sendo recrutados perto de casa, perto da escola ou até pela internet, com promessas que despertam seu interesse. Artur Pires, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), conta que eles acabam ingressando no crime pela falta de perspectivas em ramos tradicionais para a vida na periferia.
“Quais as perspectivas que se apresentam para uma criança e adolescente de uma periferia de Fortaleza? Trabalhar em subemprego, do mercado de trabalho capitalista, que são super explorados, trabalham muito, ganham muito pouco, e nesse processo entra a facção, oferecendo outros tipos de ganho”, conta ele. “Um jovem que recebe armas para estar na mão, vigiando suas comunidades ou disputando território com outros jovens de outras comunidades, isso para um adolescente de 13, 14, 17 anos traz um prestígio”, diz ainda.
Em alguns casos, os jovens infratores são tirados de circulação por meio das ações policiais. Em outros casos, porém, eles acabam mortos em meio à guerra que domina as periferias das cidades cearenses.
Algumas ações são isoladas, ou seja, têm origem em decisões individuais desses jovens; mas boa parte das ações partem por influência das facções criminosas. E, com o decorrer das ações, muitas vezes ficam em risco inclusive aqueles jovens que não estão envolvidos com o crime organizado.
Um desses casos aconteceu no município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), onde dois irmãos que iam visitar a avó foram executados no caminho por serem moradores de outra área. Os garotos, de 15 e 22 anos, foram abordados, interrogados e executados a tiros por integrantes de uma facção criminosa, depois de terem descido do metrô.
Conforme o juiz da Infância e Juventude Manoel Clistenes, quase 100% dos casos no Ceará envolvendo jovens que chegam à Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza têm características semelhantes, relacionadas às condições de vida dessas pessoas – para além do fato de integrarem facções criminosas.
“Quase todos não estudam, estão fora do colégio, e as famílias ganham no máximo dois salários minimos. Essas pessoas estão muitas vezes presas dentro de um pequeno quadrado, dentro da favela, não podem transitar no entorno, porque o entorno já é da facção rival. E aí ficam privadas inclusive dos serviços públicos mais básicos, como saúde, educação, lazer. São pessoas que estão privadas de tudo, praticamente.”
Conforme dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no Brasil houve 3.918 mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes no período de 2016 a 2020. Os números indicam uma média de 6.970 mortes por ano durante esse período, com a maioria desses sendo adolescentes.
Artur Pires, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC, considera que não há caminhos a curto prazo para reverter a situação.
“Essa mudança necessariamente passaria por um investimento de políticas públicas relacionadas com educação, cultra, lazer, esporte, mas o que a gente vê infelizmente é que o Estado ainda prioriza muito mais a segurança, a vigilância, em detrimento da cultural, do lazer, do esporte, educação. Se fosse investido em políticas públicas que valorizassem essa riqueza cultural, comunitária, associativa dessa camada trabalhadora da cidade, aí sim poderia começar a pensar em mudanças.”
O que diz a SSPDS sobre os jovens cada vez mais cedo em facções
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que realiza ações contínuas voltadas para crianças e adolescentes no Ceará, desde a formação inicial e continuada dos servidores da Segurança Pública, por meio da Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp), até ações de policiamento ostensivo e investigativo e atendimento humanizado às vítimas, nas unidades da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE), na Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) da SSPDS e na Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce).
Em relação à Polícia Civil, as iniciativas direcionadas para essa parcela da população são coordenadas pelo Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV). Há ainda a Casa da Criança e do Adolescente, equipamento da Secretaria da Proteção Social (SPS), que engloba os serviços da Delegacia de Combate a Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e outros órgãos parceiros. No Interior, o atendimento das vítimas que compõem grupos vulneráveis também pode ser realizado pelas Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) em Maracanaú, Caucaia, Pacatuba, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Icó, Sobral e Quixadá. Nos demais municípios, as Delegacias Municipais e Regionais fazem o atendimento.
Prevenção
As Forças de Segurança do Ceará também promovem regularmente discussões nas escolas sobre temas como prevenção ao uso indevido de drogas e à violência sexual, entre as outras formas de violência. Pela PC-CE, as palestras são realizadas pela Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre). Já na Polícia Militar do Ceará (PMCE), os trabalhos incluem ações desenvolvidas pelo Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd), vinculado à Coordenadoria de Gestão Interna do Ensino e Instrução (Cogei), e pelo Grupo de Segurança Escolar (GSE) do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac).
Além disso, há um Grupo de Despacho do Copac (GD-Copac) da PMCE, na Ciops, que funciona desde janeiro de 2023. O serviço garante um atendimento diferenciado já na ligação para o Disque 190. Quando uma vítima ou terceiros fazem uma ligação denunciando a situação de violência integrantes dos grupos vulneráveis, uma cópia do registro é encaminhada para o Copac, que envia uma equipe do Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (Gavv), um dos núcleos do policiamento especializado, para acompanhar a situação.
Outras iniciativas
Em conjunto ao trabalho da segurança pública, visando ações voltadas para crianças e adolescentes, há, ainda, outras iniciativas promovidas pelo Governo do Ceará, como a entrega de 40 areninhas em 2023. Com as inaugurações, já são 339 desses equipamentos em todo o estado, sendo 225 construídos no Interior e 114 na Capital. Outros 82 espaços desse tipo já estão com obras quase concluídas e prestes a serem inaugurados, com mais 85 em construção e 158 aguardando o início das obras.
Também em 2023, a rede pública estadual de ensino passou a contar com mais 80 Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI), elevando para 472 o número de unidades com a jornada ampliada, perfazendo o maior número de ampliação anual de escolas em tempo integral já anunciadas pelo Governo do Estado. O Ceará já conta com escolas nesse modelo em 66 municípios. Com isso, 71% da rede estadual proporciona uma jornada de sete a nove horas diárias, com até três refeições. A meta é garantir a universalização deste modelo de ensino na rede pública até 2026.
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