COVID-19

Quatro anos da pandemia no Ceará: cobertura vacinal contra Covid-19 é abaixo do esperado, avalia especialista

Hoje, o estado acumula 1.503.822 casos, com 28.215 mortes

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15 de março de 2024
Anderson Gurgel

No dia 15 de março de 2020, há exatos 4 anos, a pandemia de Covid-19 chegava ao Ceará. Os três primeiros casos do novo coronavírus foram identificados pela Secretaria Estadual da Saúde numa noite de domingo. Os primeiros pacientes infectados no estado haviam viajado recentemente ao exterior. Os três, dois homens e uma mulher, eram de Fortaleza.

Quatro anos da pandemia no Ceará: cobertura vacinal contra Covid-19 é abaixo do esperado, avalia especialista
Foto: Helene Santos/Governo do Ceará

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Quatro dias depois, numa quinta-feira, 19 de março, entrava em vigor o primeiro decreto de isolamento social no estado. A decisão foi tomada após reunião do Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia do Coronavírus, que reunia 25 entidades. Na ocasião, o então governador Camilo Santana (PT) decretou estado de emergência e anunciou ações para combater o avanço da doença.

Entre as principais medidas preventivas do comitê, o governador informou, via decreto oficial, que estavam suspensos quaisquer eventos públicos no Ceará acima de 100 pessoas, atividades em escolas e universidades públicas, estaduais e municipais de Fortaleza, além de recomendar que as escolas particulares fizessem o mesmo. Voos internacionais para o Ceará também foram suspensos. A Secretaria da Saúde (SESA) tinha confirmado 9 casos da doença até o dia 19: eram 8 em Fortaleza e 1 em Aquiraz, na Região Metropolitana.

Foto: Alysson Pontes/GCC

Quatro anos da pandemia no Ceará

Hoje, o estado acumula 1.503.822 casos, com 28.215 mortes, conforme o Painel Coronavírus, do Ministério da Saúde. O Portal GCMAIS procurou o consultor em Infectologia da Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará (ESP-CE), Keny Colares, para fazer um balanço sobre o enfrentamento à pandemia no estado ao longo desses anos – e também sobre o que deve ser lembrado ainda hoje, com a continuidade de casos da doença, ainda que em menor proporção.

Segundo o especialista, um marco do início da crise sanitária no Brasil foi a época em que o vírus chegou: por volta do Carnaval. A realização das festas de modo normal, avalia ele, foi um “fato marcante” e potencialmente impulsionou a disseminação do coronavírus em um primeiro momento.

O que se seguiu, segundo Keny Colares, é um total desencontro entre as gestões estaduais e municipais e o que era tocado nacinoalmente, pelo governo federal.

“As medidas de isolamento social o governo federal era contra, a gente conseguiu fazer algumas coisas aqui no Nordeste, com o Consórcio Nordeste, e os governos dos estados que procuraram adotar medidas que não eram adotadas nacionalmente. Mas não é a mesma coisa”, elenca.

À época, um dos principais conflitos em questão, no cenário nacional, era entre o então presidente da República Jair Bolsonaro e os governadores, no que diz respeito à condução da crise sanitária.

Keny destaca que no Ceará, assim como em outras unidades federativas, não foram tomadas medidas que garantissem um lockdown rigoroso, que de fato contesse a disseminação da doença.

“A gente acabava tendo um lockdown meio ‘meia boca’, como a população fala. Ou seja, não parava completamente. Então o lockdown acabava não sendo tão efetivo, porque muitas vezes, se você consegue parar completamente uma cidade por 15 dias, por duas ou três semanas, você consegue dar uma freada na doença e depois você vai abrindo lentamente”, explica ele.

Um dos resultados disso era a superlotação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no complexo hospitalar. No Ceará, também houve dificuldade para lidar com o expressivo volume de internações decorrentes das infecções de covid. “Aumentar a vaga no hospital, aumentar leitos e preparar o hospital era uma parte da tarefa, mas a gente não conseguia desacelerar a situação do vírus”, assinala.

Depois de todo esse período, as medidas de isolamento não são mais consideradas necessárias pelos especialistas, mas há números consideráveis de casos de covid-19. O processo da vacinação, após ser iniciado, em 2021, foi o principal fator que levou ao controle da crise sanitária, nos meses e anos subsequentes, mas não chegou ao fim: Keny Colares aponta que hoje em dia, no Ceará, os números da cobertura vacinal são satisfatórios para as faixas etárias mais avançadas, mas seguem em baixa entre os mais jovens, principalmente adolescentes e crianças.

“Os adultos estão mais protegidos, mas a gente está vendo aumentar um pouquinho esses casos de hospitalização entre os mais jovens que não estão tão vacinados”, pontua. A vacinação para esse público, que demorou a ser realizada mais do que a dos demais grupos populacionais, acabou sendo prejudicada também pela mudança na percepção de risco da população. Sem uma crise sanitária na mesma proporção de antes, muitos pais e mães acabam deixando de vacinar os filhos, que muitas vezes ainda se infectam com o vírus.

Quatro anos depois, a covid-19 não acabou, sendo hoje parte da vida cotidiana, como a gripe ou a dengue. Há ainda o risco de novas infecções. Com isso, avalia o especialista, “é importante cuidar, proteger, se vacinar e estar atento às notícias para próximas ameaças que venham”.

Capacete Elmo

Durante a pandemia, uma das inovações relevantes no estado do Ceará foi o desenvolvimento do capacete de respiração assistida Elmo, criado pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) e também por meio de parceria público-privada, envolvendo diversas instituições. O dispositivo ajudou a salvar a vida de milhares de pacientes com a doença no estado e também em diversas unidades federativas.

Conforme a ESP, estima-se que mais de 10 mil pessoas foram auxiliadas pela inovação. Estudos apontam que o Elmo pode reduzir em 60% a necessidade de internação em UTI. Além do desenvolvimento do equipamento, a instituição também capacitou profissionais de saúde a manejarem o capacete, por meio de treinamentos conduzidos pelo Centro de Simulação em Saúde (CSS) da ESP. Foram contemplados quase 3 mil participantes do Ceará e também de outros estados, com destaque para Amazonas e Maranhão.

Foto: Governo do Estado

Entrevista

Confira a íntegra da entrevista com Keny Colares, consultor em Infectologia da Escola de Saúde Pública do Estado do Ceará (ESP-CE), sobre os quatro anos da pandemia de Covid-19 no Ceará:

GCMAIS: Como avalia, de modo geral, o modo como se lidou com a pandemia no Ceará?

Keny Colares: De uma forma geral, se a gente olhar do ponto de vista do país, a gente não teve um bom resultado, talvez a gente não tenha tido um bom enfrentamento da pandemia, né? A gente teve aí a sorte, pelo lado ter sido reconhecido pela OMS [Organização Mundial da Saúde] em dezembro, os primeiros casos chegaram em fevereiro, chegou pra valer em março, né, então teoricamente a gente teria três meses pra se preparar, mas infelizmente a postura do Ministério da Saúde, do governo federal, que era quem tinah que orquestrar esse processo foi de negar o problema, de minimizar as medidas, talvez o fato marcante da época é de deixar acontecer o Carnaval, né? Os casos chegaram logo depois do Carnaval, e nesse sentido a gente perdeu muito da atuação. As medidas de isolamento social o governo federal era contra, a gente conseguiu fazer algumas coisas aqui no Nordeste, com o Consórcio Nordeste, e os governos dos estados que procuraram adotar medidas que não eram adotadas nacionalmente. Mas não é a mesma coisa, o Governo do Estado não tem o mesmo poder que tem o governo federal. A utilização de máscaras  também foi evitada, foram estimuladas aglomerações, foi adiado o processo da vacinação… Então por conta disso a gente teve, talvez mundialmente, os piores índices, em termos de número de óbitos, casos, e também em relação também à população, refletindo uma ação que não foi a ideal.

GCMAIS: Isso no Brasil?

Keny Colares: Isso no Brasil, no contexto nacional. No contexto estadual e regional, houve uma tentativa de montar o Consórcio Nordeste, houve tentativa utilizar ferramentas para frear a chegada dos casos, que eram os isolamentos e a utilização de máscara, e por outro lado preparar a rede de saúde para lidar com aquela quantidade de casos. Mas sabendo que os casos aumentam muito, não existe nenhuma rede que suporte, né? Mas de alguma forma acho que foram medidas que minimizaram um pouco o impacto, mas se elas fossem harmônicas e fossem nacionais, com certeza a gente teria tido mais sucesso e teria muita gente aí viva para contar essa história.

GCMAIS: Que avaliação podemos fazer sobre as medidas de fechamento, de isolamento? Foram suficientes?

Keny Colares: A gente não conseguiu, falando ao nível do estado… Tirando o primeiro lockdown, que foi um pouco mais rigoroso, a gente não conseguiu fazer lockdowns muito efetivos, de realmente haver uma paralisação. Então a gente acabava tendo um lockdown meio “meia boca”, como a população fala. Ou seja, não parava completamente. Então o lockdown acabava não sendo tão efetivo, porque muitas vezes, se você consegue parar completamente uma cidade por 15 dias, por duas ou três semanas, você consegue dar uma freada na doença e depois você vai abrindo lentamente. Mas a gente nunca conseguiu fazer um lockdown mais rigoroso. Acaba tendo mais desconfort e mais prejuízo do que se tivesse feito de uma forma definitiva. Mas era muito difícil naquele momento, entre os estados e no país, quando tinha pessoas que eram contra o lockdown. Então, digamos, os governadores que tentaram fazer o lockdown fizeram o melhor possível, certamente não era o ideal, mas foi o que foi possível de ser feito.

GCMAIS: Algo que sempre preocupou, durante esse período, era a questão da ocupação das UTIs. Como isso foi gerenciado?

Keny Colares: Sim, desde o princípio, por onde a pandemia tinha passado – nós tivemos três meses para observar isso – já se mostrava que em outros países. Se mostrava que, independente de ter uma rede hospitalar e de UTI de tal modo, se deixar a doença se espalhar livremente, não tinha estrutura hospitalar que conseguisse dar conta de tantos casos. Então já deu pra ver que aumentar a vaga no hospital, aumentar leitos e preparar o hospital era uma parte da tarefa, mas que a gente não conseguia desacelerar a situação do vírus. Se a Europa não dava conta de segurar aquela onda, a gente não iria conseguir. Então a gente já tinha essa visão. Tem que fazer medidas de prevenção, além de preparar a rede de saúde, porque não vai ter UTI. Por mais que a gente dobre, triplique as vagas de UTI, ainda vai ser pouco. Então a gente acabou conseguindo fazer isso baixamente, essa luta de prevenção, e é fato que nós tivemos muita dificuldade. Os hospitais na verdade estavam sobrelotados, por mais que os leitos tenham sido ampliados, mas não era o suficiente. Isso aconteceu em todos os países que não frearam a circulação do vírus, ficaram de joelhos em termos de assistência de saúde.

GCMAIS: E depois de todo esse tempo, como está a situação da covid hoje no Ceará, quatro anos após o início da pandemia?

Keny Colares: Oficialmente a pandemia continua, a pandemia definida como a circulação da doença mundial ainda continua, mas com certeza a gente entrou em uma fase mais branda. A gente tem uma população mais imunizada. A cada seis meses a gente tem uma onda de casos, sempre que o vírus muda um pouquinho vem uma nova onda, né? Mas felizmente, à medida que as pessoas estão mais imunizadas, ela tem cada vez menos consequências – mas ainda tem pacientes. Se a gente for parar para ver, a covid foi uma das doenças que mais mataram brasileiros em 2023. E aí nesse período, infelizmente, ela está se deslocando um pouco mais para os jovens e adolescentes, especialmente crianças, porque existe um déficit grande da cobertura vacinal entre os jovens, especialmente as crianças. Então os adultos estão mais protegidos, mas a gente está vendo aumentar um pouquinho esses casos de hospitalização entre os mais jovens que não estão tão vacinados.

GCMAIS: Como avalia o processo da vacinação no Ceará? Como está essa questão hoje?

Keny Colares: Se a gente levar em consideração o esquema de vacinação completo, a gente ainda tem uma cobertura abaixo do adequado. Claro que isso muda muito, vai ter ainda alguma questão relacionada à faixa etária. Quando a gente vai subindo para idades mais avançadas, essa cobertura vai melhorando, mas desde que a doença se transformou numa questão menos grave a procura da vacina caiu. As campanhas antivacina também vão também fazendo jogo contra, do outro lado, e a nossa vacinação ela está, digamos, abaixo do ideal. Quanto mais novo, quanto mais jovem for, maior é a lacuna de vacinação.

GCMAIS: O que mais devemos lembrar hoje, com relação ao enfrentamento à covid-19?

Keny Colares: Acho que é importante ter claro que a gente continua convivendo com esse vírus, como o vírus da influenza, da gripe. Vai ficar nos visitando periodicamente. Eventualmente, esses vírus podem mudar, e um vírus diferente pode causar algum susto. Por enquanto, aparentemente a gente vai precisar se manter imunizado e tomar cuidado e conviver com isso. Mas sempre lembrando que as condições no mundo para criar novos vírus surgirem, novas mutações, novas epidemias ou pandemias. Então é importante cuidar, proteger, se vacinar e estar atento às notícias para próximas ameaças que venham. Acho que deve fazer parte da nossa vida.

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