O Ministério Público do Ceará (MPCE), através do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) e com apoio da Escola Superior do Ministério Público (ESMP), realizará nesta quinta-feira (8) a palestra “Justiça Penal Negociada”. O evento, que tem carga horária de 1h/aula e é aberto ao público, acontecerá às 16h no auditório da ESMP, localizado no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza. Os interessados devem se inscrever pela Plataforma de Cursos da ESMP/CEAF. Na ocasião, será lançado o livro “Justiça Penal Negociada”, escrito pelo promotor de Justiça Ionilton Pereira do Vale (in memoriam) e pelo juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), Magno Gomes de Oliveira, que também ministrará a palestra.
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A obra discorre sobre a busca pelo consenso no âmbito do processo penal e foi estruturada em cinco vetores principais: os primórdios da justiça penal negociada, os limites da barganha no âmbito da justiça penal, a justiça penal negociada no direito comparado, a justiça penal negociada no Brasil, e os sujeitos processuais e seus limites nos acordos penais previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
O livro explora os benefícios e os riscos da justiça penal negociada para o sistema judicial brasileiro. A obra destaca, ainda, as diferenças significativas entre a aplicação desse modelo de justiça no Brasil e em outros países, fornecendo uma visão comparativa detalhada.
Livro sobre justiça penal negociada
O Portal GCMais conversou com um dos autores da obra, juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), Magno Gomes de Oliveira. Confira abaixo:
GCMAIS: Como foi o processo de colaboração com o promotor Ionilton Pereira do Vale na escrita do livro, especialmente considerando os desafios de tratar um tema tão complexo como a justiça penal negociada?
Magno: A interação sempre foi muito tranquila a afinada, em razão da grande convergência acadêmica entre mim e o saudoso amigo Ionilton Pereira do Vale, precocemente falecido no dia 1º de julho deste ano. Fizemos uma divisão de trabalho para que determinado capítulo fosse elaborado por mim, e outro capítulo ficava a cargo dele. Quando concluíamos essa etapa eu remetia a ele para fins de revisão tudo que eu tinha escrito, e ele fazia o mesmo em relação ao capítulo que tinha sido redigido por ele. Caso houvesse algum tema mais polêmico, fazíamos um aprofundamento investigativo e depois trocávamos ideias pessoalmente, ou mesmo por videoconferência.
GCMAIS: Quais são os principais benefícios e riscos que a justiça penal negociada apresenta para o sistema judicial brasileiro, de acordo com a sua pesquisa e análise no livro?
Magno: A justiça penal negociada teve início ainda no Século XIX, logo após o início do processo industrial norte-americano. Era preciso dar respostas rápidas às demandas que surgiam em número cada vez maior, especialmente em decorrência do elevado número de acidentes de trabalho que ocasionavam a morte de trabalhadores, algumas (ou muitas) delas provocadas por severa negligência das empresas quanto às condições de segurança dos trabalhadores. Foi nesse cenário que surgiu o instituto da “plea bargain”, que permitiu a celebração de acordos no âmbito penal. No ordenamento brasileiro, os primeiros institutos da justiça penal negociada surgiram em 1995, com a edição da Lei nº 9.099/95, que discplicou os juizados especiais cíveis e criminais em todo o território brasileiro. Esses institutos foram: a) composição civil de danos, b) transação penal, c) suspensão condicional da penal. Com o passar dos anos surgiram outros institutos, tais como a delação premiada, a colaboração premiada, que são institutos diferentes, apesar de alguns juristas pensarem equivocadamente que são expressões sinônimas. Mais recentemente surgiram os “acordos de leniência” e os “acordos de não persecução penal” (ANPP).
GCMAIS: Destaque algumas diferenças significativas entre a aplicação da justiça penal negociada no Brasil e em outros países, conforme discutido na obra?
Magno: Os países que adotam o sistema jurídico denominado “Common Law”, tais como EUA, Inglaterra, Irlanda, País de Gales, Austrália, Nova Zelândia, denter outros, compreendem o processo penal sob uma lógica muito mais funcionalista do que nós. Com isso, por vezes o acordo penal para eles contempla não apenas a assunção de culpa por parte do réu, como também a fixação da pena a ser cumprida, e o regime prisional, ou mesmo uma substituição de pena. Já nos países da “Civil Law”, tais como Alemanha, França, Espanha, Itália, Portugal, Brasil, e todos os demais países da América Latina, a legislação ainda tem muito mais força do que os precedentes judiciais. Então, por vezes o legislador entende que os acordos penais não devem contemplar uma explícita assunção de culpa. Por consequência, se o acordo for celebrado, mas vier a ser descumprido, a ação penal tem que começar da “estaca zero”. Daí decorrem pelo menos três severos efeitos colaterais: a) prescrição criminal (perda do direito punitivo do Estado); b) impunidade de agents que efetivamente cometeram crimes, muitos dos quais admitidos de forma implícita; c) enorme dispêndio de recursos públicos para tramitação “da estaca zero” de ações penais que já deveriam ter sido encerradas por meio de um reconhecimento explícito de culpabilidade, para, em troca, obter uma pena mais curta e mais branda.
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Sobre os autores
Magno Gomes de Oliveira: Doutorando em Ciências Criminais pela U.Lisboa (2018), especialista em Direito Penal Econômico, Internacional e Europeu pela U.Coimbra (2019) e especialista em Ciências Criminais e Dogmática Penal Alemã, pela Universidade Georg-August de Göttingen (2019). Mestre em Direito Constitucional pela UFC (2005). Juiz de Direito do TJCE desde 1998,
Professor Formador da ESMEC e pesquisador.
Ionilton Pereira do Vale (in memoriam): Doutor em Ciências Criminais pela U.Lisboa (2015). Mestre em Direito Constitucional pela UFC (2003). Investigador do CIDPCC da Faculdade de Direito de Lisboa (CIDPCC) e da Fundação de Ciência e tecnologia de Portugal. Especialista em Direito Processual Penal pela Unifor e em Ciências Criminais pela U.Lisboa. Promotor de Justiça no Ceará e Professor da ESMEC e da ESMP.
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