Daniel Ortega chegou ao poder na Nicarágua pela primeira vez depois do triunfo da Revolução Sandinista contra o ditador Anastasio Somoza Debayle em 1979, depois de 45 anos no poder. Aos 34 anos, era um jovem guerrilheiro e integrou a Junta do Governo de Reconstrução Nacional, onde assumiu os cargos de coordenador, chefe do Governo e ministro da Defesa.
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Quem o conhecia relata que Ortega, um dos nove comandantes Frente Sandinista de Libertação Nacional, era um dos mais apagados e discretos daquele grupo, formado por intelectuais, empresários, jornalistas e representantes da Igreja Católica descontentes com a ditadura de Somoza. O regime era conhecido pelos abusos de direitos humanos, corrupção e pobreza e a FSLN reuniu diversos atores políticos no entorno.
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Passaram-se 45 anos desde a revolução. Foi por causa da celebração da data esta semana que Ortega, que se consolidou um ditador, decidiu expulsar o embaixador brasileiro em Manágua. O diplomata Breno de Souza Brasil Dias da Costa não foi à celebração, e Ortega deu um passo a mais no congelamento das relações com o Brasil, ruins desde que o governo Luiz Inácio Lula da Silva pediu a libertação do bispo Rolando Álvarez, condenado a 16 anos de prisão pelo regime. O governo brasileiro respondeu com o mesmo gesto diplomático.
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A decisão de Ortega reflete uma trajetória de ascensão autoritária. Nesse período, Ortega foi eleito presidente da Nicarágua pela primeira vez em 1984, nas primeiras eleições do país após a saída de Somoza, que teve boicote do centro e da direita. No restante da década, lidou com a oposição da família Chamorro, importante para a queda da ditadura por causa do assassinato em janeiro de 1978 de Pedro Chamorro, dono do jornal La Prensa, e com grupos armados financiados pelo governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos, conhecidos como Contras.
Em 1990, Ortega perdeu as eleições para a liberal Violeta Chamorro, viúva de Pedro Chamorro. Com um governo de reconciliação, a presidente pacificou os grupos armados, fez reformas econômicas e pavimentou a vitória do Partido Liberal nas eleições seguintes, em 1996 e 2002. Em todas as vezes, Ortega tentou retornar ao poder como candidato.
O retorno
Depois das sucessivas derrotas, o retorno aconteceu em 2007. Àquele momento, Ortega não era mais o guerrilheiro sandinista. Em vez disso, adotava a “paz e reconciliação nacional” como mensagem de campanha e negociava com o Partido Liberal Constitucional (PLC). Anos antes, ele e o ex-presidente Arnoldo Alemán, do PLC, chegaram ao acordo de baixar o limite mínimo para a eleição de um candidato em primeiro turno de 45% para 40% dos votos, ou 35% se houvesse uma diferença de pelo menos 5% entre o primeiro e o segundo colocados.
Deu certo. Ortega foi eleito nas eleições de novembro de 2006 com 38%. Apesar de ter sido um dos comandantes da revolução e presidente na década de 1980, há quem afirme que pouco se sabia sobre seu passado. “De sua infância, pouco ou nada se sabia. Falava-se muito de seus longos anos de prisão, mas não sobre como foi sua vida no cárcere. O que aconteceu com sua vida guerrilheira?”, escreveu o jornalista nicaraguense Fabián Medina, autor do livro El Preso 198, para o jornal espanhol El País em 2021.
A partir daí, Ortega começou a ter poder cada vez maior na Nicarágua. Em 2008, com a ajuda de juízes nomeados por ele, mudou a lei para poder disputar a reeleição uma vez. Em 2011, ele foi reeleito. Em 2013, com a ajuda da maioria obtida no Parlamento, mudou a lei de novo, desta vez para disputar a reeleição indefinidamente. Em 2016, ele foi reeleito para seu terceiro mandato consecutivo.
O mesmo Congresso que aboliu os limites constitucionais para a reeleição permitiu também a Ortega emitir decretos com força de lei. Àquela altura, o sandinista controlava – direta ou indiretamente – os três poderes da Nicarágua. Nos anos seguintes, o regime se fechou ainda mais.
Aumento da repressão
Em 2018, a Nicarágua, até então dependente da ajuda petrolífera venezuelana, que entrou em crise, enfrentou duro impacto na sua própria economia. A popularidade de Ortega, que estava no poder há 11 anos, também foi atingida. O país viu os maiores protestos em décadas e a resposta do governo foi brutal. Ao menos 322 pessoas foram mortas pela polícia. Mais de 2 mil ficaram feridas. O direito de protestar foi banido pelo líder sandinista.
Três anos depois, em 2021, Ortega começou a se preparar para disputar seu quarto mandato. A eleição foi marcada pela prisão de praticamente todos os candidatos minimamente competitivos que se apresentaram contra o ex-guerrilheiro. Uma delas era Cristiana Chamorro, filha de Violeta e Pedro Chamorro. O ex-guerrilheiro foi reeleito, sob a alegação de fraude de organizações e da comunidade internacional, e consolidou o seu poder.
No ano passado, Ortega retirou a cidadania de centenas de opositores que ainda viviam no país. Muitos deles eram ex-companheiros de luta do presidente.
Há 17 anos consecutivos no poder, Ortega tem mais tempo no comando da Nicarágua do que qualquer membro da ditadura dos Somozas. Anastasio Somoza García foi ditador por 16 anos e os filhos Luis Somoza Debayle e Anastasio Somoza Debayle governaram por quase 7 e 9 anos, respectivamente. Hoje, não é mais lembrado como comandante da revolução que ajudou a derrubar essa dinastia, mas como o próprio tirano.
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Fonte: Estadão