Mais de duas semanas após a fraude eleitoral da ditadura de Nicolás Maduro que deram mais seis anos de poder ao chavismo na Venezuela, os Estados Unidos seguem determinados em pressionar de todas as formas para tentar fazer o ditador a abrir mão de seu poder. Para analistas, no entanto, a tarefa pode não seguir um caminho tão óbvio, já que as sanções econômicas – uma estratégia amplamente utilizada por Washington – não se mostraram tão eficazes como imaginadas para pressionar politicamente Maduro no passado.
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Assim como em 2018, os Estados Unidos não legitimaram a vitória de Nicolás Maduro, declarando o opositor Edmundo González Urrutia como vencedor, mas sem reconhecê-lo como presidente interino, diferente de como fizeram com Juan Guaidó. Na época, o governo de Donald Trump endureceu sanções, visando diretamente o setor petrolífero, a principal fonte de receita do país.
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O republicano ampliou drasticamente os alvos venezuelanos sob uma campanha de “pressão máxima”, impondo 46 sanções à Venezuela em seu primeiro ano, mais do que o dobro do total de todas as sanções da governo de Barack Obama à Venezuela, segundo o Center for a New American Security (CNAS).
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As medidas incluíram a proibição de transações com títulos da dívida venezuelana e com a petrolífera estatal PDVSA, bem como a restrição ao acesso do governo venezuelano a mercados financeiros internacionais. O objetivo era cortar o fluxo de recursos que sustentava o regime, forçando uma mudança política.
Mas Maduro não pareceu se fragilizar com tais medidas. Embora a economia da Venezuela tenha atravessado um colapso econômico acentuado pelas sanções, o ditador venezuelano conseguiu não só se manter no poder, mas também usou as penalidades a seu favor para fortalecer um discurso “anti-imperialista” – culpando os Estados Unidos pela crise – e para estreitar laços com países aliados por meio de um comércio ilegal.
“Se por eficazes queremos dizer que as sanções incentivaram o governo Maduro a se tornar menos autoritário, realizar eleições livres e justas ou reduzir a repressão, então (as sanções) não (foram eficazes). São realmente os venezuelanos comuns que são os principais impactados pelas sanções”, sintetiza Rebecca Hanson, professora assistente do Centro de Estudos Latino-Americanos na Universidade da Flórida.
Agora, diante de uma nova eleição marcada por acusações de fraude, Washington se vê diante de uma encruzilhada. A continuação das sanções econômicas ainda é considerada uma opção pela Casa Branca. Poucos dias antes da realização das eleições, um alto funcionário do governo Biden havia declarado que os Estados Unidos poderiam “calibrar” as sanções se necessário, endurecendo ou aliviando caso o processo se desenrolasse de modo justo, conforme relatou a Reuters.
Mas uma reportagem divulgada pelo Wall Street Journal no último fim de semana deu sinais de que a Casa Branca pode estar tentando outros caminhos antes de abraçar mais uma vez o endurecimento das sanções. De acordo com o jornal, o governo americano ofereceu anistia ao líder venezuelano em troca de uma transição pacífica de governo. Entre as opções discutidas estão perdões para ele e seus principais aliados, além de garantias do governo americano de não pedir a extradição dessas lideranças do regime.
Sanções e a imigração ilegal aos EUA
Entretanto, se o regime chavista negar a anistia, restam poucas opções imediatas, mesmo com um crescente reconhecimento de que as sanções, isoladamente, não são suficientes. Além disso, essa estratégia esbarra na pressão interna e externa. Um relatório do Congresso americano publicado em fevereiro deste ano concluiu que as sanções exacerbaram “uma crise econômica e humanitária contínua”. Já em 2021, a ONU descreveu efeito das sanções como “devastador”, destacando a falta de eletricidade, água, alimentos e medicamentos no relatório.
Isso porque as sanções estrangularam ainda mais a já difícil produção de petróleo, resultado da péssima administração da PDVSA, que começou ainda no início do governo de Hugo Chávez, e da volatilidade dos mercados com a queda acentuada dos preços do petróleo entre 2012 e 2016. Em um país em que o petróleo é responsável por um terço do PIB e por 80% das receitas de exportação, o resultado foi a ampliação de uma recessão severa, marcada por hiperinflação, escassez de bens essenciais e baixo poder de compra ao longo dos últimos oito anos. “Embora as sanções não sejam a única causa de problemas, elas certamente os exacerbaram”, pontua Hanson.
A crise humanitária dá sinais de que sanções econômicas dificilmente podem enfraquecer o regime se o chavismo priorizar sua sobrevivência acima do bem-estar econômico da Venezuela. “Não há como evitar que se agrave a crise humanitária (quando se aplicam sanções), porque o único fator de redistribuição de renda é o petróleo. E o que as sanções fazem é limitar justamente este mecanismo”, argumenta Rafael Duarte Villa, professor de Relações Internacionais e Ciência Política da USP.
Para Villa, reforçar sanções mais uma vez colocará a Venezuela em uma situação redundante: “Ser pobre ou ser muito pobre”, diz o professor. “Haverá um hiperempobrecimento da população”.
E para os Estados Unidos, o empobrecimento na Venezuela é um problema que chega direto ao seu território. Mais de 7 milhões de migrantes venezuelanos deixaram o país desde o início da crise econômica e, desde 2021, 800 mil deles foram encontrados por autoridades de migração tentando chegar nos Estados Unidos, um país onde a travessia de imigrantes ilegais é, novamente, tema central das eleições de novembro.
Aliança com China, Rússia e Irã
Aprofundando os problemas econômicos do país e tornando quase impossível para a Venezuela acessar os mercados internacionais, as sanções também acabaram reforçando a dependência do regime de Maduro em adversários dos Estados Unidos, incluindo China, Rússia e Irã, como um colete salva-vidas econômico. Um tiro, portanto, que saiu pela culatra, quando o objetivo era isolar Maduro e fragilizar sua base de apoio.
“É difícil pensar que as ações sejam ‘unilaterais’ em um mundo globalizado”, avalia Damarys Josefina Canache, professora do Centro de Estudos Latino-Americanos e do Caribe da Universidade de Illinois.
Nos últimos anos, por meio da Rosneft, uma das maiores petrolíferas do mundo, a Rússia ajudou a comercializar petróleo venezuelano no mercado internacional, atuando como intermediária para contornar as restrições financeiras. A China, por sua vez, forneceu crédito e investimentos em troca de petróleo, permitindo que o regime de Maduro mantenha algum fluxo de caixa e acesso a bens essenciais, apesar do isolamento imposto pelo Ocidente.
Sobre sanções
Além disso, o Banco Central da Venezuela, embora sancionado, contou com o apoio do governo russo para vender petróleo e repassar os lucros para o regime. “Do ponto de vista econômico, não se conseguiu o objetivo de isolar totalmente a comercialização do petróleo,” destacou Villa. “E do ponto de vista político, cuja ideia era criar condições para desestabilizar Maduro, também não chegou ao objetivo”.
Uma moeda de troca (sem valor)
Se para tentar enfraquecer a ditadura de Maduro em 2018 a comunidade internacional entendeu que as sanções já não eram mais eficazes, tais penalidades ganharam, então, uma nova utilidade para possibilitar a realização de eleições livres na Venezuela em julho deste ano, quando havia esperança de uma eleição que trouxesse uma mudança de governo na Venezuela. Mais uma vez, sem sucesso.
Por meio do Acordo de Barbados, estabelecido em 2023 como parte do processo de diálogo mediado pela Noruega, o governo venezuelano e os partidos da oposição, sob o guarda-chuva da coalizão Plataforma Unida, chegaram a um acordo que estabeleceu o cenário para a criação de condições para eleições presidenciais mais livres em 2024.
Os Estados Unidos não estiveram diretamente envolvidos nas negociações, mas apoiaram o acordo. Tal apoio foi concretizado pelo governo Biden por meio do alívio das sanções relacionadas à indústria de petróleo e gás em troca do compromisso de Maduro de promover um processo eleitoral justo.
Mas não demorou muito para que o ditador deixasse claro que a moeda de troca não tinha valor para seu governo. “Embora alguns progressos tenham sido feitos na libertação de prisioneiros políticos, logo ficou claro que Maduro estava resistindo ao estabelecimento de condições verdadeiramente justas para o processo eleitoral”, descreve Canache.
Membros da ditadura chavista chegaram a descrever a medida como uma “chantagem grosseira e indevida”, após a retomada das sanções depois que a ditadura de Madurou inabilitou politicamente María Corina Machado, líder da oposição venezuelana que venceu as primárias com mais de 90% dos votos em outubro de 2023. Três meses depois ela foi impedida de concorrer pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado por Maduro.
Os obstáculos impostos por Maduro e seus aliados ao processo eleitoral ficaram ainda mais claros após o fim da votação. Quase três semanas após o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a ditadura de Maduro ainda não divulgou as atas eleitorais que supostamente comprovam sua vitória. Ainda na semana passada após as eleições, a Casa Branca chegou a dizer que “a paciência estava se esgotando”.
Em uma coletiva de imprensa na segunda-feira, 12, o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, rejeitou a narrativa do WSJ, sobre uma oferta de anistia, e disse que os EUA “estão considerando uma série de opções para pressionar Maduro a devolver a Venezuela à trajetória democrática, e continuará fazendo isso, mas é responsabilidade de Maduro e das autoridades eleitorais venezuelanas colocarem a limpo os resultados das eleições”.
Em qualquer cenário, esforços dos EUA para negociar uma transição pacífica, oferecendo anistia a Maduro e seus aliados, esbarram em uma barreira intransponível: a falta de confiança mútua. Maduro e seu círculo próximo enxergam qualquer concessão como um risco existencial, temendo que qualquer abertura possa ser explorada para desestabilizar a ditadura.
A recusa em aceitar garantias internacionais reflete um cálculo estratégico do chavismo, que prefere enfrentar o desgaste econômico a correr o risco de perder o poder por meio de um processo de transição que não controlam completamente.
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Fonte: Estadão