Chegamos a mais um pleito eleitoral. A pergunta que fica é: “Quem ganhou?” ou melhor, “o que ganhamos?”.
O objetivo desse artigo é ousado: trazer à luz reflexões que nos sirvam para questionar nossas emoções e comportamentos, para definirmos nossas relações e, quem sabe, sendo mentalmente lúcidos, tornarmos a vida mais salutar.
Desse modo, como você se sente ao deparar-se com ideias diferentes das suas? Quantos desafetos conquistou por não comungar de um mesmo projeto político? Essa temática tem sido conteúdo de muitos relatos de sofrimento psíquico, então por que não rever conceitos?
Dentre os sistemas de governo conhecidos até o momento, parece-me que a democracia é o melhor deles, mesmo com todas as suas conhecidas problemáticas. O berço da democracia é a Grécia, e lá, em praça pública (local chamado ágora), se discutiam as decisões políticas importantes entre os cidadãos atenienses. Ainda assim, mulheres, escravos, crianças e estrangeiros não eram considerados cidadãos e ficavam de fora das discussões.
Estamos passando por tempos de ânimos exaltados, em que a possibilidade de divergir virou sinônimo de afronta, apartheid, violência e repressão.
Aquela célebre frase “posso não concordar com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”, atribuída ao filósofo francês Voltaire (há quem diga que a frase não é dele, mas de uma autora que o biografou), não precisa ser levada tão à risca, pois somos humanos e naturalmente só juntamos forças para defender o que acreditamos, mas, mesmo assim, não devemos sangrar as relações, crucificar a democracia, simplesmente por ouvir vozes discrepantes, discordantes das nossas.
Famílias ou amizades se destruindo por conta de bandeiras político-partidárias não me parece em nada com a ideia da arcaica democracia ateniense, em que as manifestações se davam cara a cara em praça pública, sendo que a melhor retórica conquistaria maior número de adeptos. Precisamos conviver, estar cercados, somente por iguais? A defesa de nossas ideias políticas almeja um bem-estar social ou nada passa de uma luta constante para mostrarmos o amparo ou a evidência do nosso narciso?
Enfim… pessoalmente falando, vejo como uma necessidade pungente de massagear o próprio ego e açoitar o outro com o pretenso saber do que é ideal.
Ao mesmo tempo que assistimos aos avanços na compreensão de questões raciais, questões de gênero e do ecumenismo religioso, nos deparamos com desavenças, agressões, intrigas de tal origem, e – porque não dizer? – assassinatos físicos e de reputações.
A ditadura no Brasil acabou em 1985, o muro de Berlim foi derrubado em 1989 e ainda trazemos o ranço desses momentos históricos, nos quais viver em harmonia prévia extinguir dissidentes.
É importante, em meio a tantos imbróglios, perceber o impacto disso nos nossos afetos, na nossa ansiedade e no entorno, que tendemos a esfacelar com a finalidade de provar nosso posicionamento. A palavra é ponte que nos une ou muro que nos aparta, e a nossa saúde mental depende essencialmente de como a utilizamos.
Thiago Macedo é médico psiquiatra e escritor
As opiniões não refletem o posicionamento do Grupo Cidade de Comunicação.