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2020: Uma experiência além do tempo

O ano inteiro nos serviu para reafirmarmos que mesmo com muito tempo não temos tempo para nada, pois a relação com o deus Cronos é sempre desafiadora.

Segundo a mitologia grega, Cronos, deus do tempo e rei dos titãs, era filho de Urano, o céu estrelado, e Gaia, a terra. Cronos era o deus do tempo, sobretudo quando visto em seu aspecto destrutivo e que a tudo pode devorar.

Em 2020, o mundo parou, mas o tempo não para, então fomos espantosamente atropelados. Ora negando o ócio, ora tentando incessantemente abocanhar experiências, assistimos atônitos às surpresas de um Cronos impiedoso.

Que ócio, que nada! A gente quer consumir, comprar pronto, se abarrotar de coisas que falsamente nos completem, para no final afirmamos novamente que não vimos o tempo passar.

Estamos constantemente tentando nos encher, transbordar o copo das vivências para tapar o buraco da existência. O ano em que tudo faltou escancarou também as nossas faltas, e “felizmente”, passou como um raio, assim não ficamos sofrendo com a possibilidade excessiva de darmos conta de nós, do eu que se perde ao se ver cheio de tempo.

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Durante as primeiras semanas do impacto da pandemia, administrar a abundância de tempo foi motivo de questionamento e até mesmo de sofrimento por percebermos que alguns empecilhos eram somente justificativas rasas à nossa indisposição para determinadas situações e atividades.

Para muitos foi dada a oportunidade de estar com os filhos, de telefonar para amigos, de conversar com o cônjuge olhando no olho, de rever prioridades emocionais, de organizar a agenda da vida. Oportunidades usufruídas? Dentro do contexto que experimentamos, a todos certamente foi dada a possibilidade de rever valores.

Saber lidar com o tempo é uma arte para poucos, tarefa difícil de valorização da vida e das relações que a compõem. 2020 atravessa a nossa história e espero que nos atravessa, nos sensibilizando para cuidarmos de nossos dias além do trágico, além dos vírus, além das perdas, além do tempo.

Thiago Macedo

Médico psiquiatra e escritor

As opiniões não refletem o posicionamento do Grupo Cidade de Comunicação.

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