Na mitologia, o que diferencia um simples mortal de um herói é que o último é dotado de poderes e habilidades extraordinárias recebidas por alguma concessão divina para cumprir um propósito pré-estabelecido no seu destino, geralmente ditado por algum misterioso oráculo.
No mundo corporativo, os heróis do cotidiano constroem sua trajetória; a partir da sua liderança autêntica. A diferença entre a liderança autêntica e aquela que é concedida, ou seja, que é resultado do poder atribuído, do cargo que um gestor ocupa, está na maneira de lidar com o exercício da influência pessoal e na capacidade de transformar situações, pessoas, processos e culturas.
O exercício da liderança é muitas vezes confundido com poder, autoridade ou posição hierárquica. Nem sempre um líder tem um poder atribuído. Assim como nem sempre um gestor tem as competências e habilidades de um líder. O que faz alguém ser um líder? Com certeza é algo além da formação acadêmica, da trajetória de experiências pessoais, do tempo de serviço ou do conhecimento que detém dos processos de uma organização. Não existe uma “personalidade” específica atribuída a liderança e nem um determinado estilo de atuação.
Peter Drucker resumiu ao dizer que “a única definição de líder é alguém que tenha seguidores”. Já John Maxwell definiu: “liderança é influência, nada mais, nada menos”. Essas definições embora pareçam simplistas ou minimalistas destroem muitas teorias sobre traços de personalidade, comportamentos, estilos, habilidades, competências.
Nem sempre um líder é simpático, dócil ou amado pela maioria. As circunstâncias de uma organização definem mais o perfil de uma liderança do que um padrão estereotipado de comportamento. Muitas vezes um líder precisa gerar conflitos para que os vícios sistêmicos, os implantes doentios da cultura organizacional que se perpetuam, sejam enfrentados com maturidade e sem personalismo.
Nicolau Maquiavel, afirmava que “não há coisa mais difícil de fazer, mais duvidosa de alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos todos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem.”
Ser um transformador da ordem vigente, um educador de pessoas e um mobilizador de uma nova cultura não é tarefa fácil. As competências comportamentais e habilidades do líder estão a serviço de um propósito maior, de pensar estrategicamente no que precisa ser feito. E o seu compromisso é que as coisas sejam realmente feitas.
Para conseguir realizar, cultiva valores acima da popularidade. É um servidor visionário que enxerga além das montanhas dos egos e vaidades, um ecossistema mais orgânico, descentralizado e desburocratizado. E, melhor: não tem medo de perder seu papel ou seu poder quando cria mecanismos de participação na sua gestão. Isso porque um verdadeiro líder não se sente ameaçado pela competência do outro.
Diferente do gestor Branca Neve, que prefere trabalhar com anões, aquelas figuras simpáticas que estão a serviço dos elogios para a manutenção do seu humor ou do seu status quo, um líder sabe reunir habilidades extraordinárias e grandes talentos a serviço da sua liderança e do que defende, mesmo que essas pessoas não compartilhem de sua simpatia pessoal. Talvez essa seja uma das maiores habilidades de um líder: a capacidade de unir competências diferentes a serviço de uma causa ou missão que seja muito maior do que ele mesmo.
Na mitologia grega, Jasão e os Argonautas representam o arquétipo de uma equipe liderada para realizar o impossível. Ao reclamar o trono de Iolco, por ser o legítimo herdeiro do seu pai, destronado e exilado por seu tio, o usurpador, Pélias, Jasão recebe a missão de trazer da Cólquida, o Velocino de Ouro, uma espécie de pele de carneiro com propriedades mágicas.
Claro que Pélias deu ao sobrinho uma missão considerada impossível. Apegado ao poder, como tantos que conhecemos, Pélias era rei, tinha coroa, trono e poder, mas não era um líder. A maneira de destruir seu opositor foi dar a ele a oportunidade de uma vergonha pública, ser considerado incompetente por não conseguir realizar o impossível, mesmo que estivesse sem nenhum recurso financeiro, logístico ou de pessoal.
O que Pélias não contava era com os recursos internos de Jasão. O mindset do sobrinho estava além da cultura dominante do status. E ele estava pronto para desconstruir a projeção estabelecida pelo tio do seu próprio fracasso.
Jasão, como um líder estratégico, sabia que, mesmo detendo recursos internos, jamais conseguiria fazer algo tão grandioso sozinho. Para a arriscada expedição dos Argonautas, foram convocados mais de cinquenta heróis de toda a Grécia. O mais interessante de observar eram os perfis de cada um dos integrantes. Imagine unir em uma mesma equipe, para alcançar um resultado extraordinário, competências absolutamente diferentes.
Esse conceito de agregar competências diferentes para sentar na mesma mesa e resolver o “impossível”, parece, até hoje, ser bem desafiador e inovador para as instituições. A maioria das empresas arrasta medos, traumas e dramas dentro de uma cultura obsoleta e autocrática. Padroniza comportamentos e pessoas com seus processos hierárquicos e burocráticos; persegue os que pensam diferente, sem tentar superar as diferenças pessoais para a construção de um projeto organizacional inovador.
Quantos talentos não foram perdidos para a manutenção do pensamento vigente, quando, na verdade, tudo que sua empresa precisava era parar de melhorar o que não deveria nem ser feito!
Jasão fez questão de construir sua equipe pela diferença de perfis. Orfeu era um poeta e músico. Suas maiores habilidades eram a sensibilidade e a empatia. Além de ter o dom do canto, melhor do que as sereias, o que não permitiria que a tripulação fosse seduzida ou distraída. Quem, na sua equipe, tem a capacidade de seduzir as pessoas reativas? Quem são os criativos? A gestão de pessoas permite que haja estímulos constantes para pessoas que não funcionam com rotinas rígidas?
Argos era um hábil engenheiro, e foi o construtor do navio que recebeu seu nome. Extremamente competente na hora de realizar um projeto estabelecido. O perfil Argos é de projetistas que trabalham bem sozinhos, executam suas tarefas com um senso rígido de prazo. Quem é o seu Argos? Quem projeta sua empresa para as possíveis turbulências?
Tífis, o comandante, tinha o dom de navegar e comandar. Olhar o ritmo das marés, interpretar os sinais, prever cenários, analisar os dados e cuidar da segurança. Quem monitora os sinais do mercado, os dados dos seus clientes e dos concorrentes? Quem é o seu analista de bordo? Não é quem faz prognóstico, mas quem faz diagnóstico. O perfil analítico geralmente não é de ousar antes de analisar todos os possíveis cenários. Mas quem consegue transformar dados em conteúdo relevante para a sua tomada de decisão deve ter uma posição de destaque na sua equipe.
Cástor e Pólux, os gêmeos, representavam a capacidade mental aguçada e a velocidade das ideias. A atribuição dos jovens era trazer energia à equipe. No mundo corporativo, os jovens talentos antenados com tendências trazem um novo oxigênio para as organizações. Eles dominam as novas tecnologias e tendências, geralmente encontram dificuldades de atuar em empresas hierarquizadas e burocratizadas. Se uma empresa deseja impulsionar a inovação e fazer mudanças é importante agregar perfis jovens na gestão.
Ídmon e Anfiarau eram os sábios adivinhos. Detinham, além do conhecimento que todos de alguma forma tinham, a experiência. Por isso, simbolicamente, representavam a conexão com o divino, a presença, a consciência e o respeito pelo ecossistema geral. A visão deles era a do propósito maior, o objetivo do legado e a transcendência do ego.
Os visionários estavam lá para garantirem que a missão sobrevivesse, acima do ego. Quem na sua equipe simboliza os valores da instituição? Como sua empresa lida com as diferenças geracionais? Há cooperação e respeito entre as gerações Baby Boolers aos Millennials? O ambiente multigeracional com diferentes relações comportamentais sobre processos, colegas e gestão será cada vez mais comum dentro das empresas impactando a cultura organizacional.
Teseu já era um herói grego renomado. O seu portfólio pessoal era invejável, tinha vencido monstros e detinha glória pessoal. Criativo e aventureiro, era reconhecido por sua capacidade de realizar. E mesmo assim estava na equipe como um dos tripulantes.
Quantos talentos reconhecidos por realizarem feitos em outras empresas sua instituição consegue atrair e manter? Convidar para feitos impossíveis quem nunca lidou com os monstros da adversidade tem sido uma boa estratégia no resultado final? E aqueles que já têm relacionamento e histórico para vencer suas lutas, você os tem afastado por alguma razão que não seja congruente com o propósito de sua missão? Talvez você esteja perdendo o que eles têm de conexão pessoal e que poderiam levar para sua liderança, simplesmente se os convidasse para a mesa.
Quem não ouviu falar de Héracles? Talvez você o identifique com o nome dado pelos romanos, Hércules. Qual a imagem mental que você faz ao ouvir esse nome? O semideus forte e combativo. Aquele que realizou trabalhos impossíveis. Héracles teve uma história difícil de aceitação familiar. Às vezes, a força nasce das fragilidades extremas. Héracles era dotado dessa força capaz de proteger, combater e inspirar.
A equipe sabia que, ao lado de Héracles, estava segura. E talvez tudo o que ele precisava fosse ser o protetor, o que ele não tinha tido na sua história de vida. O perfil Héracles é fácil de detectar nas equipes. São aqueles que estão sempre de mesa em mesa, ouvindo os colegas, dando opinião, apaziguando ou gerando conflitos. Nem sempre conseguem seguir direcionamentos, mas possuem um forte senso de dever coletivo.
Palemon talvez seja o que chamamos de um bom operacional. Sua habilidade era fazer tudo funcionar, ele era o reparador de qualquer coisa que não funcionasse na expedição. Em toda equipe, existem os estratégicos, os criativos, mas o que seriam deles se não existisse um bom executor? Um operacional tem a competência de realizar entraves estruturais. Não terceiriza problemas. Escuta e executa.
E quem era Jasão? O reclamante do trono capaz de reunir estratégicos e operacionais, renomados e anônimos, semideuses e mortais comuns, a serviço de sua própria missão?
Imagino que o seu arquétipo fosse o de alguém com a capacidade de convencer todos. A questão é: os Argonautas estavam a bordo pela missão de Jasão ou cada um tentava se afirmar no seu brilho pessoal?
Quem lê a clássica história dos Argonautas ou Jasão e o Velocino de Ouro pode perceber que, talvez, intenção pessoal ou coletiva se misturem. Mas o que se sobressai é o engajamento de todos, com suas habilidades e competências diferentes, em prol de um mesmo objetivo.
Se sua equipe está apenas no mesmo barco, ou se é um time concentrado em atingir um propósito nobre, pronto a usar cada capacidade isolada para realizar a mesma missão, você pode ver pelos resultados.
Imagine se esses heróis fossem pessoas trabalhando para a sua empresa. Talvez você tenha arquétipos como esses na sua equipe e não os reconheça.
Um líder não forma sua equipe pelas semelhanças de capacidades. Mas sim pelas diferenças. Não se intimida com talentos que diferem dos seus, mas utiliza o melhor de cada um para a excelência do time.
Diante de cada obstáculo, na viagem de Jasão, entrava a capacidade de um ou de outro, ou muitas vezes, a soma de todas elas.
Mas não era apenas o time dos Argonautas que estava sendo testado. Ao chegar a Cólquida, o rei Eetes concordou em entregar o precioso Velocino de Ouro a Jasão, desde que ele cumprisse três tarefas, praticamente impossíveis para um mortal: arar a terra com dois touros que lançavam chamas pelas narinas e plantar os dentes de um dragão, matar gigantes que nasceriam desses dentes e destruir o dragão que guardava o Velocino. Todas essas tarefas deveriam ser realizadas apenas por Jasão e em um período de até vinte e quatro horas.
Novamente o estratégico Jasão utiliza outra força poderosa capaz de realizar os mais difíceis prodígios – o amor. Medeia, a filha do rei, apaixonara-se pelo herói e resolveu ajudá-lo, com a sua magia, fornecendo-lhe todos os recursos necessários para ele vencer cada prova.
A vitória de Jasão não foi solitária. Como geralmente, nenhuma vitória no mundo corporativo é. O grande feito de Jasão foi transformar a sua equipe em um time com o mesmo propósito, disposto a oferecer cada um o seu melhor, em particular.
Quando um líder identifica o poder individual e usa a força da complementação ou da suplementação, para reunir habilidades, ele passa a ser uma fonte de inspiração, capaz de levar pessoas a transformarem os objetivos de uma empresa na sua missão de vida.