Duas em cada dez pessoas internadas em estado grave têm até 55 anos; na primeira onda, número era, no máximo, uma em cada dez
Aumento de jovens com covid grave prejudica giro de leitos de UTIs
A situação mais grave vivida pelo Brasil desde o começo da pandemia do novo coronavírus chegou a números alarmantes na ocupação de leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva) em vários Estados. O número de internações de pacientes com até 55 anos quase dobrou em alguns hospitais nos últimos dois meses, segundo a médica intensivista Suzana Lobo, presidente da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
“Não foi realizada uma pesquisa, mas o que observamos é que vem aumentando o número de jovens e médicos do Brasil relatam esse aumento”, conta a especialista. Ela explica que o fator de preocupação é que esses doentes têm a tendência de ficarem mais tempo internados do que pacientes idosos, o que diminui sensivelmente a rotatividade de vagas nas UTIs.
A coordenadora de UTI da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Viviane Cordeiro Veiga, relata preocupação com o crescimento. “O número de internações é muito variável, visto que a rotatividade em UTI é alta. Verificamos nessa segunda onda da pandemia uma porcentagem expressiva e preocupante de pessoas mais jovens e de pacientes graves. Dependendo de outras comorbidades, as chances de permanência e o risco de óbito crescem”, diz a intensivista e cardiologista.
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Na primeira onda da covid-19, os jovens representavam cerca de 10% dos internados em estado grave. Atualmente, eles superam os 15% e em alguns locais chegam a 20% dos leitos de terapia intensiva.
Para Suzana, a tolerância desses pacientes é a causa deles ficarem mais tempo internados. “Esses pacientes têm uma tendência de serem mais tolerantes a medicamentos e têm menos chance de mortalidade, uma vez que as disfunções orgânicas tendem a ser menores. A probabilidade de cura das pessoas até 55 anos é grande, já que eles vão melhorando com o tempo e os tratamentos”, explica.
A falta de leitos para pacientes graves acontece por um conjunto de fatores e não somente pela maior permanência de infectados nos hospitais, segundo ela. De acordo com o IDO (Índice de Desigualdade na Oferta), um levantamento feito pelo Instituto Votorantim com dados das secretarias de saúde estaduais, 12% das vagas de UTIs criadas entre junho e julho de 2020, devido à primeira onda da pandemia, foram fechadas. Das 21.651 criadas, 3.009 não existem mais.
“Os leitos foram criados na primeira onda e os contratos foram acabando e não foram renovados. Enquanto os números estavam mais controlados, era até suficiente. Mas nós sabíamos que as taxas iam subir novamente com os feriados de fim ano e o afrouxamento do isolamento”, diz a médica se referindo a mais uma causa do colapso.
O aumento de permanência não foi verificado apenas nos leitos de UTI, houve um crescimento do número de dias em que o paciente fica internado nos hospitais.
“O paciente tinha uma média de 10 dias de internação, atualmente está em 12 dias ou até mais tempo. Essa percepção não é homogênea no Brasil todo, mas ainda não sabemos se é a variante (mutação brasileira que apareceu no Amazonas) que tem uma carga viral maior e demora mais para curar ou se os casos estão mais graves”, conta presidente da AMIB.
De acordo com a médica Viviane Cordeiro Veiga, o crescimento da gravidade acontece em todas as faixas etárias. “Quem chega ao hospital está vindo com condições piores das que recebíamos nos primeiros meses. No começo tivemos vários casos graves. Em setembro, outubro diminuiu. Agora tem muitos pacientes em situação ainda mais complexa do que na primeira fase.”
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Falta de recursos humanos
Outro fator apontado por especialistas é a situação emocional e o cansaço dos profissionais de saúde em todo o país. Há mais de um ano, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogas que trabalham na linha de frente estão com uma carga de trabalho muito alta.
A presidente da AMIB chama atenção que a criação de novos leitos sem profissionais especializados e capacitados também pode contribuir para o aumento da permanência dos pacientes internados.
“Não é só leito, as equipes estão exaustas e não tem mais profissionais capacitados para atender pacientes de alta complexidade. Em UTI trabalham diferentes profissionais, não é só o médico e o enfermeiro. O maior problema são os recursos humanos” diz ela, enfatizando a capacitação de profissionais. “A formação do intensivista não é rápida, estamos treinando os profissionais e não é o recomendável. Hospitais colocam um médico e um enfermeiro para cuidar de 20 leitos, sem outras especialidades ajudando, aí o tratamento pode levar mais tempo, infelizmente”, acrescenta.
Diante disso, a especialista acredita que os números ainda terão um aumento e a solução tem de vir das pessoas. “Antes de cair, o número das internações deve aumentar ainda mais. Chegou a vez da comunidade fazer a sua parte. Já deveria ter feito desde o começo, nós, dentro dos hospitais, estamos fazendo de tudo. A pessoa tem de entender que se não respeitar o distanciamento, ela ou um familiar ficará doente, precisará de internação e não terá lugar”, alerta Suzana.
Os hospitais Osvaldo Cruz e Santa Catarina, ambos em São Paulo, foram procurados pelo R7 e não registraram mudanças nos perfis dos pacientes internados em UTI.
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