DIREITOS HUMANOS

Justiça social: a defesa do direito de existir

GCMAIS apresenta o especial multimídia com histórias de resistência, percursos de pertencimento e ações que buscam alento para pessoas trans e travestis no Ceará

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28 de outubro de 2022
Igor Silveira

O direito de existir


TEXTO: GLAUBER SOBRAL
EDIÇÃO: BRUNO BALACÓ

Justiça social: a defesa do direito de existir
Com retificação, os personagens se reconhecem no espelho (Foto: Arquivo Pessoal)

Renascer. Nascer para si. Despertar para o novo. Usufruir do direito de existir. O nome é dignidade, é identidade. Cláusula pétrea da Constituição Federal. A poesia de ressignificar entre o espelho e a realidade.

É assim que se afirma quem necessita recorrer a uma mudança de nome e gênero no Brasil. A busca pelo nome social é garantida por lei, como explica Amanda Ingrid Cavalcante de Morais, que integra a Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB Ceará.

“Quando falamos em efetivação do direito ao uso do nome social por indivíduos com identidade de gênero díspar do gênero inscrito no registro civil é necessário obedecer ao princípio da dignidade da pessoa humana por se tratar de um fundamento que orienta a República Federativa do Brasil. Estamos tratando de um direito humano e fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988 e reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, explica.

No Brasil, conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), pessoas transgênero vivem à margem da sociedade. Isso porque, com base em levantamentos de 2021, o país segue sendo o responsável por 40% das mortes de pessoas trans em todo o mundo. No período, foram mapeados pelo menos 140 assassinatos de pessoas trans, sendo 135 travestis e mulheres transexuais, e cinco casos de homens trans e pessoas transmasculinas.

O número assusta e pode ser ainda maior, já que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não reconhece a população em si, o que pode representar um recorte desproporcional ao apresentado pela ANTRA.  Os segmentos dispostos no censo consideram apenas o sexo ou órgão genital, sem abordar a questão de identidade de gênero. O IBGE não abrange a comunidade transgênero, como homens e mulheres trans, travestis e pessoas não-binárias. A marginalidade é carta presente no dia a dia.

“A falta de dados, e de intervenções estatais pela promoção de direitos LGBTQI+, tende a aprofundar a vulnerabilidade de tal população à violência, especialmente de seu subgrupo mais vulnerável, constituído de pessoas jovens e negras LGBTQI+” (Atlas da violência, 2021)

Em números absolutos, segundo o Atlas da Violência (2021), São Paulo foi o estado que mais matou a população trans, com 25 assassinatos, se mantendo no topo do ranking pelo terceiro ano consecutivo. O Ceará aparece no 4º lugar da listagem da violência, com 11 mortes.

Neste cenário, com a perspectiva de reverter o cenário de exclusão social e garantir o acesso a direitos fundamentais, projetos têm ganhado destaque e notoriedade no estado, como a Casa Transformar, o mutirão Transformar, entre outras projetos.

“A Defensoria Pública atende permanentemente o público e garante o direito de existir”

Nessa perspectiva, o GCMAIS apresenta o especial multimídia “Justiça social: a defesa do direito de existir”. Aqui, serão apresentadas histórias de resistência, percursos de pertencimento e ações que buscam um alento para pessoas trans e travestis.

A série “Justiça social: a defesa do direito de existir” abre caminhos para as narrativas de Jô Costa, Noah e Domitila, personagens que se reconectaram ao mundo com suas retificações de documentos; detalha como a Casa Transformar reconstrói vidas e aborda outras iniciativas sociais de apoio à comunidade LGBT.

O juiz Jorge Luiz Cruz de Carvalho, titular da 1ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Maracanaú, reforça a importância da união dos atores sociais na busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

“Esses agentes (órgãos públicos, ONGs e sociedade) têm o papel fundamental de fomentar os debates e, sendo o caso, acionar o Judiciário para garantia de direitos. O maior papel do Judiciário, contudo, é justamente o de prevenir o litígio e de contribuir para a formação de uma consciência crítica quanto aos direitos humanos, tema muitas vezes mal compreendido e estigmatizado”, provoca.

Em síntese, o especial multimídia conta histórias de transformação, levanta debates sobre identidade e contextualiza os papéis da justiça na busca do acesso aos direitos fundamentais.

Boa leitura!


O renascimento de Jô Costa


Renascer é um dos verbos preferidos de Melanie Jô Costa dos Santos, de 26 anos. A caminhada da jovem moradora do bairro Granja Portugal, em Fortaleza, é sinônimo de construção e poesia.

Do encanto de ser o que representa e que foi retificada a ser. A jovem foi uma das pessoas atendidas pelo mutirão “Transforma, seu direito é o nosso dever”, da Defensoria Pública do Ceará, neste ano.

Apesar dos “traumas, feridas e dores”, a artista, educadora e produtora cultural se reergueu ao mundo em 30 de junho, quando recebeu a nova certidão de nascimento retificada. O processo foi iniciado no dia 19 de maio, data em que a jovem entregou a documentação antiga com o nome morto.

“Senti uma felicidade que não consigo dimensionar. Muitas pessoas passam mais de meia vida com o nome que não lhe representam. Não só por mim, mas por outros e outras que também estariam ali realizando um sonho”, festeja.

Certidão de recomeços

O renascimento de Jô Costa

Jô ao lado de Gioconda Aguiar, do Mães da Resistência, e Yara Cavalcante, da ATRAC (Foto: DPCE)

Jô conta que um dos momentos mais felizes de sua “existência” foi participar do evento de entrega dos documentos.

“Minha felicidade, além de ter ratificado, obviamente, foi de ver o dia de entrega das certidões. Mais de 200 pessoas em um auditório lotado, repleto de emoções, cada um com lutas semelhantes. Minha maior alegria foi ter participado, ter conhecido essas meninas e meninos, ter me aproximado do Grupo Mães da Resistência, que também abre possibilidade de discussões para além de nós”, pontua.

No áudio, Jô fala sobre o dia de entrega dos documentos. 

🎧 Ouça:

União de forças

Para a realização do sonho, Jô destaca a importância do trabalho desempenhado em equipe.

“Primeiramente, a desburocratização da informação e do acesso, junto com a Defensoria, ONGs, grupos LGBTQIAP+, como o Grupo Mães da Resistência, que deram todo um apoio. A iniciativa foi de extrema importância e um passo mais significativo em busca dos nossos direitos, dos nossos acessos, e foi muito importante para mim e para outras meninas e meninos”, parabeniza.

Na análise da produtora cultural, o trabalho desempenhado pela justiça, entidades e grupos de defesa dos direitos humanos garantiu a celeridade na emissão do novo documento.

“O avançado processo de acompanhamento, espera e conclusão da entrega de documento foi muito significativo. A gente teve esse privilégio de ter um tempo muito reduzido na conclusão de todos os processos para retificação do nosso nome”, elogia.

Jô é força, inspira histórias. Esbraveja por respeito.

Ouça: 🎧

Para Jô, existir é poesia

Eis que ela nasceu!!!
Demorei muito pra vir aqui falar sobre este dia de extrema importância e renascimentos…
Estava juntando todos os sentimentos que tive no dia junto com tantas outras pessoas que como eu estavam ali cheias de VIDA.

RETIFICADA!

E pode parecer pra algumas pessoas algo que aconteceu do nada…
MAS essa pessoa que agora tem um NOME digno de toda sua construção e caminhada e que estava presente desde 05.11.1995 sofrendo, lutando, seguindo contra todas as regras…
Até ser essência
Até acessar a fala
Até chorar e se desprender
Até de fato cortar seu cordão umbilical de violências passadas.

Ela se ergueu!

Decidi dizer o meu primeiro
NÃO!
Pra tudo aqui que me prendia

Travesti
Preta
Mulher

Sem romantização
Cheia de traumas, feridas e dores
PORÉM… não mais escondida, medrosa e muito menos calada!

Contemplem…

E para todas as pessoas que ainda estão surpresas ou não sabem.

PRAZER,

Melanie Jô Costa dos Santos

CE bate recorde de mudança de nome e gênero de pessoas trans e travestis


Até 30 de junho deste ano, o Ceará entregou 225 novas certidões de nascimento a pessoas trans e travestis. O número representa um recorde na entrega de retificações expedidas pelo Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), da Defensoria Pública do Ceará (DPCE)*.

CE bate recorde na mudança de nome e gênero de trans e travestis

Evento de entrega de certidões (Foto: DPCE)

O primeiro mutirão para ações desta natureza emitiu 172 certidões, em junho deste ano, que trouxeram dignidade e orgulho para pessoas trans e travestis. Os novos documentos foram entregues em Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte. A capital cearense concentrou 70% da demanda. Em Sobral, 25 pessoas foram beneficiadas. No Cariri, 23 receberam as novas certidões.

A defensora geral Elizabeth Chagas reconhece a importância da iniciativa.

“O mutirão confirmou algo que suspeitávamos: a existência de uma demanda reprimida no tocante às pessoas que não se identificam com o gênero e o nome atribuídos no nascimento e têm dificuldade de garantir um direito tão básico quanto o direito constitucional à personalidade. É por isso que temos dito que esse é só o começo”, frisou na cerimônia de entrega de documentos”. 

Defensora geral Elizabeth Chagas

Defensora Elizabeth Chagas marcou presença na cerimônia de entrega de documentos (Foto: Divulgação/DPCE)

Se somados aos 53 casos de janeiro a junho deste ano, nas ações rotineiras do NDHAC, a conta tem um saldo positivo: 225 novos renascimentos. O total representa 1/3 de toda a demanda acolhida nos anos anteriores. Na soma, o Ceará entregou 701 documentos de homens / mulheres.

No estado do Ceará, o mutirão “Transforma, seu direito é o nosso dever” surgiu do Orçamento Participativo da Defensoria Pública. As demandas começaram a aparecer em março deste ano, conforme a defensora pública e assessora de Relacionamento Institucional da DPCE, Lia Felismino.

“O mutirão foi uma ação concentrada, em resposta a demanda do OP, e que garantiu um tempo menor para a retificação de documentos. Sentamos com a Corregedoria do Tribunal de Justiça e com a Associação Cearense de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), e eles toparam ser nossos parceiros na realização desse evento”, destacou.

[ R E T I F I C A Ç Õ E S ]*
2017: 17 (todas por ações judiciais)
2018: 75 (início de ação administrativa)
2019: 122
2020: 61
2021: 201
2022: 225 (até 30 de junho)
Soma: 701 certidões (Com informações do site da DPCE)*

O recorde de emissão de documentos reforçou a importância do trabalho desempenhado da DPCE. E novas edições do projeto serão promovidas, adianta a defensora Elizabeth Chagas.

“A gente como Defensoria Pública, enquanto instituição de efetivação de direitos, está nesse processo de ampliar a cidadania e ajudar, de mãos dadas, as pessoas que precisam da alteração do nome e gênero. Outras edições do Transforma [mutirão] virão”, assegura.

S a i b a +

Vale lembrar que desde 2018, a mudança de nome e gênero na certidão de nascimento pode ser feita por qualquer pessoa trans e/ou travesti de forma direta no cartório, conforme o Supremo Tribunal Federal (STF). O princípio do respeito à dignidade humana foi o mais citado pelos ministros da Corte para a autorização.

A decisão derrubou a obrigatoriedade de apresentação de laudos médicos, acompanhamento especializado e sentença judicial para o procedimento acontecer, reforça a DPCE. Em resumo, todo cidadão brasileiro tem direito de escolher a forma como deseja ser identificado.

“A Defensoria Pública é uma instituição cuja missão constitucional é de garantia de acesso à justiça, que não é apenas o acesso ao poder judiciário, mas sim o acesso a concretização de direitos”, explica Lia Felismino.

+ serviço

A Defensoria Pública do Ceará dispõe de um guia tira-dúvidas sobre o tema. Navegue AQUI.

Veja galeria de fotos da cerimônia de entrega de certidões AQUI.


Noah: sonhar é realidade


A voz de Noah Raryel Oliveira Caitano, 20 anos, estremece quando ele fala sobre sua retificação de nome e gênero no registro civil. O sotaque característico do Cariri fica ainda mais emotivo quando ele relembra a cerimônia de entrega da certidão de nascimento, que aconteceu em junho deste ano.

“Foi excepcional. Eu não queria apenas o nome social, queria também o civil. Foi um compartilhamento de outras vivências. Ter pessoas que estavam ali para apoiar a gente. Quando vi, nem acreditei que eu era eu”, conta.

Foi ali, nas palavras do morador do bairro Salesiano, em Juazeiro do Norte, que veio o renascimento. A busca pelo direito à cidadania é motivo de orgulho para o jovem.

“Foi inacreditável. Eu tive que olhar 500 vezes, passei a mão diversas vezes (no documento)”, detalha. 

Noah recebe nova certidão

Noah recebe nova certidão (Foto: Arquivo Pessoal)

O estudante de investigação forense e criminal enche o peito de afeto ao compartilhar o “novo retrato” nas plataformas digitais. Noah também foi uma das pessoas atendidas pelo mutirão “Transforma, seu direito é o nosso dever”, da DPCE. 

Sonho é coletivo

A conquista da certidão de nascimento foi uma vitória para o jovem. Com o novo documento, Noah revela um desejo pessoal.

“Era um dos meus sonhos servir o Exército. Foi tão gratificante receber a certidão de nascimento. Uma parte do meu sonho é fazer o alistamento militar”, admite.

O estudante já fez o processo inicial de alistamento. Agora, ele aguarda os próximos passos para conquistar seu sonho.

🎧 Ouça:

Noah compartilha sua felicidade. É sentimento coletivo. Com o propósito de ajudar outras pessoas, o estudante integra o Coletivo Transmasculines Cariri, que permeia ações de apoio aos direitos sociais. Atualmente, o grupo organiza listagem com nomes de pessoas que têm interesse em retificar os documentos.

Noah recebe certidão de nascimento

Noah participou da cerimônia de entrega de documentos (Foto: Arquivo Pessoal)

“O mutirão facilitou o processo, mas é preciso mais ações para garantir o acesso ao direito. No nosso levantamento aqui, cerca de 50 pessoas também querem ter o direito da cidadania garantido. A expectativa é que possamos participar de um novo mutirão em janeiro, no mês da visibilidade trans”, projeta.

Noah é ativista. Ele acredita ser importante atuar na busca de direitos de outras pessoas.

Ouça 🎧:

+ Apoio

Filho do Cariri, Noah reconhece a importância do apoio no traçar da caminhada de direitos fundamentais. Na terra de Padre Cícero, o jovem encontrou forças na Casa da Diversidade Cristiane Lima (ONG) e no Núcleo de Diversidade e Gênero, coordenado pela Prefeitura de Juazeiro do Norte. Foi por lá que o estudante conheceu mais de perto o poder da liberdade de ser o que é.

“Acredito que quando entrei na Casa da Diversidade, confesso que ficou mais fácil. Foi lá também que conheci os ‘meus pais, que são minha referência trans aqui no Cariri’. Tudo começou naquele ambiente. O apoio foi extremamente importante”, relata.

Com  a força de “parceiros”, a participação no primeiro mutirão de mudança de nome e gênero foi garantida.

“Fiz minha inscrição no primeiro mutirão pela Internet. Depois enviei os documentos para a Defensoria Pública e deu certo a retificação. Foi muito, muito rápido. Nesse caso foi fácil. E reforço ainda a relevância de ter a cidadania e saber quantos problemas psicológicos puderam ser evitados com a conquista desse direito”, pontua.

No vídeo, a defensora pública supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da DPCE, Mariana Lobo, cita o direito de “personalidade”. Assista:


Domitila decidiu aflorar em busca do conhecimento


Florescer. Ser flor. A designer de moda e estudante de Filosofia, Domitila Correia, de 26 anos, decidiu “aflorar” para o mundo quando decidiu voltar a estudar.

Domitila decidiu aflorar em busca do conhecimento

Domitila orgulha-se da carteira de estudante (Foto: Arquivo Pessoal)

A partir daí, seu processo de identificação reiniciava.

“Eu já havia transacionado há um tempo, mas a necessidade de trocar a documentação veio mais forte quando decidi prestar vestibular e não queria carregar comigo a história do meu nome morto na nova fase. Por isso, comecei a me informar das maneiras que eu poderia fazer a retificação sem acionar um advogado, já que eu não tinha dinheiro para pagar um, e uma amiga me mostrou o Guia para Retificação do Registro Civil de Travestis e Transexuais de Fortaleza, lançado pela Prefeitura”, conta.

Os meses seguintes foram de descoberta, detalhe a estudante.

“Depois disso, eu passei um mês com esse Guia para cima e para baixo juntando todos os documentos e as certidões necessárias”, comenta.

Ela sorri com o documento na mão, é o seu passaporte para a felicidade. O selo é sinônimo de reconhecimento. É assim que se apresenta a designer de moda.

“Orgulho e alívio”

Nascida e criada em Fortaleza, a estudante comemora o novo aflorar.

“A emoção que eu senti foi um sentimento de misto de orgulho e alívio, pois representava um recomeço definitivo, agora com o nome pelo qual eu me identifico/reconheço e pelo qual sou tratada por familiares e amigos”, exalta.

Domitila decidiu aflorar em busca do conhecimento

Autorretrato de Domitila (Foto: Reprodução/Instagram)

Apesar da nova conquista, Domitila reconhece o processo histórico de lutas e resistências.

“Se nós compararmos com os últimos cinco anos, onde a retificação de nome e gênero só acontecia por meio de um processo judicial, nós avançamos muito. Mas não é o suficiente. Existe um caminho de reparação a ser trilhado. Falta acesso, seja ele à informação, seja ao financeiro. Sem os mutirões promovidos pelas Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) ou organizações de apoio à causa LGBTI+, que viabilizam a possibilidade de gratuidade desse tipo de trâmite, uma camada significativa de mulheres e homens T é impossibilitada de ter o seu direito básico ao nome devidamente assegurado”, opina.

+ A V A N Ç O S

A retificação dos documentos da jovem foi facilitada pelo programa desempenhado pela Prefeitura de Fortaleza. Além dessa, outras ações têm contribuído para o avanço de políticas sociais.

Aqui no Ceará, existem algumas instituições, tais como o Conselho Estadual de Combate à discriminação da população LGBTQIAP+, a Associação de Travestis e Mulheres Transexuais do Ceará (ATRAC) e a Comissão de Diversidade e de Gênero da OAB/CE, que buscam resguardar e efetivar os direitos da população T.

Amanda Ingrid Cavalcante de Morais, membro da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB/CE, especifica outras ações.

“A Comissão da Diversidade e de Gênero da OAB/CE possui algumas inciativas importantes na busca de contribuir para evolução de nossa sociedade, como por exemplo as doações feitas para as duas casas coletivas de acolhimento da população LGBTQIAP+, CASA TRANSFORMAR e a OUTRA CASA COLETIVA, além da iniciativa OAB RETIFICA”, descreve.

+ m u l t i m í d i a

O longa cearense “Transversais”, dirigido por Émerson Maranhão, exibe os depoimentos de quatro pessoas trans que resgatam suas histórias, seus processos de autodescoberta e de trânsitos e jornadas. O documentário foi produzido por Allan Deberton. Confira trailler:


Pode entrar! Acolhimento é o alicerce da Casa Transformar


A Casa Transformar é construída com base na dignidade humana. O tijolo que levantou a casa é acolhimento. A organização não-governamental oferece apoio à comunidade LGBTQIAP+ na capital cearense. O espaço é destinado a pessoas que lutam e se encontram em situação de vulnerabilidade, violência e exclusão familiar.

O equipamento, que foi fundado por Lara Nicole (Nik Hot) e Davy Lima, em 2017, é uma fortaleza localizada no bairro Siqueira, na periferia de Fortaleza. Nas palavras de Nik, a Casa Transformar transborda carinho, é garantia de amor ao próximo e reforça o papel da sociedade civil na busca da dignidade humana.

Acolhimento é o alicerce da Casa Transformar

Parte da turma beneficiada pela ONG (Foto: Reprodução/Instagram)

Para descrever o espaço serão flexionados cinco verbos: acolher, abrigar, incluir, resistir e sobreviver.

Nik convida para conhecer a história da Casa Transformar. O espaço é um personagem que garante o protagonismo para inúmeras narrativas:

[A C O L H E R] As pessoas entram em contato com a gente através do direct do Instagram ou por indicação de algum projeto social que trabalha com igualdade social. A Casa Transformar se mantém através de doações daqueles que acreditam na nossa missão e que pensam como nós na forma de acolhimento. Atualmente, a Casa tem seis pessoas acolhidas, mas a gente assiste mensalmente 15 LGBTs.

[A B R I G A R] Fazemos um processo seletivo para entender a realidade das pessoas. Até porque a Casa Transformar é um local que atende pessoas em situação de vulnerabilidade social e exclusão familiar. Após a entrevista, a pessoa vem visitar o espaço. A gente tem também essa preocupação de olhar além da Casa. Tem mês que a gente recebe cestas básicas em maior quantidade, e repassamos.

“Quando se corta e tira direitos, você tá tirando dignidade e existência das pessoas”

[I N C L U I R] Quem entra na Casa Transformar deve estar disposto ou disposta a participar das oficinas que acontecem no espaço, dos cursos, dos workshops, e também de ações que estimulam a inclusão no mercado de trabalho. Isso porque a Casa tem essa preocupação porque sabemos que o Brasil é um país onde o local de trabalho é muito negado para a comunidade LGBT, principalmente para pessoas trans e travestis.

[R E S I S T I R & S O B R E V I V E R] A Casa Transformar em si já é a própria resistência e sobrevivência. A Casa Transformar tem um impacto além do Ceará, no Nordeste e no Brasil, principalmente, porque quando começamos o trabalho de fato, começou a pandemia. Somos uma Casa, uma ONG, sem nenhum apoio de órgão público, se mantendo em funcionamento apenas através de doações.

VÍDEO INSTAGRAM REFORMANDO A CASA

Doações:

PIX: casatransformarlgbt@gmail.com
Pic Pay: @casatransformar
Conta bancária: Ag 2906-8 / Conta 39.468-8 (Marcos Flávio Medeiros Mota)


Juiz Jorge Cruz de Carvalho: “O papel do Poder Judiciário é garantir direitos”


A justiça deve garantir direitos, “independentemente de qualquer pauta ideológica”. É assim que o juiz Jorge Cruz de Carvalho, titular da 1ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Maracanaú, ensina sobre a função primordial do Poder Judiciário.

Juiz Jorge Cruz de Carvalho

Juiz Jorge Cruz de Carvalho (Foto: Arquivo Pessoal)

O magistrado é categórico ao afirmar que o “Judiciário não age de ofício, ele precisa ser provocado”. Nesse bate bola, o juiz fala sobre garantia de direitos fundamentais, reforça a relevância de debates sociais e destaca a força do papel da justiça na busca do bem-estar social.

⚖️ Confira:

Como a justiça brasileira tem atuado na luta de diretos fundamentais?

Jorge Cruz de Carvalho: Poderíamos dizer que a justiça brasileira encontra-se na vanguarda do debate entre os Poderes da República. A união estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo somente são possíveis hoje em virtude de decisões dos nossos Tribunais superiores. Portanto, sem exagero, é inequívoco que o Poder Judiciário brasileiro teve papel primordial na superação de entraves ao reconhecimento de direitos sociais para essa comunidade.

Qual o papel da justiça na busca de direitos sociais, como na retificação de documentos pela população T?

Jorge Cruz de Carvalho: O papel do Poder Judiciário é garantir direitos, independentemente de qualquer pauta ideológica. Nesse sentido, tem reconhecido direitos da personalidade, entre os quais, a identificação pelo nome social. Essa medida assegura dignidade e evita constrangimentos a esse público em razão de sua condição de gênero. Além disso, inúmeras decisões judiciais foram proferidas na seara de família, como adoções, reconhecimento de parentalidade socioafetiva, entre outras ações.

Como o senhor avalia a rede de apoio unificada por movimentos sociais, ONG e a justiça no debate sobre o tema?

Jorge Cruz de Carvalho: Apesar de tentativas pontuais de uso indevido das pautas voltadas à proteção dos direitos fundamentais, vejo com otimismo a atuação desses agentes na construção de políticas públicas, sobretudo por sua capacidade de mobilização da sociedade.


Ser gente e reexistir


“Viver é partir, voltar e repartir”. Os versos da música “É tudo pra ontem”, do rapper Emicida, assume um reflexo de lutas, compartilhamentos, vivências e resistências enfrentadas, em grande maioria, pela população T. O desejo de existir é verbo latente e pulsante.

Neste especial “Justiça social: na defesa do direito de existir”, as forças das personagens centrais, das ações coletivas e os órgãos públicos foram protagonistas no caminho para a garantia dos direitos sociais. Justiça para Jô, Noah, Domitila e tantas outras narrativas que fizeram acontecer o seu direito de reexistir. Uma união de potencialidades que reforçaram o poder do coletivo, da poesia de ser o que é.

No vídeo, a defensora geral Elizabeth Chagas reforça o trabalho desempenhado pela DPCE para a garantia da “identidade reconhecida” e da cidadania.

Mesmo com os avanços abordados nesta série, ações que estimulam os direitos para a comunidade LGBT devem ser contínuas, como argumenta Amanda Ingrid Cavalcante de Morais, membro da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB Ceará.

“É importante ressaltar que apesar de transfobia ser crime no Brasil desde o ano de 2019, o país é ainda o que mais mata pessoas trans e travestis no mundo pelo 13º ano consecutivo. Para atenuar os dados se faz necessária a União do Estado, das organizações da sociedade civil e da população brasileira como um todo. Precisamos conferir oportunidades e dignidade a essa população que foi colocada à margem da sociedade por tanto tempo”, defende.

Para o juiz Jorge Cruz de Carvalho, a justiça brasileira é “vanguardista” quando o tema é direito para pessoas trans e travestis.

“A conquista de direitos é um vetor que aponta para determinada direção, porém, não há linha de chegada. Significa dizer que as mudanças nos contextos sociais fazem surgir novas demandas, que, após debates e valorações pela sociedade, tornam-se pretensões de direitos e, por fim, são reconhecidas como tal no âmbito jurídico. Nesse caminhar, a inquietação é natural e desejável, pois serve de mola propulsora do avanço. De fato, muito se avançou, mas muito há por fazer nessa área. O maior desafio é mudar mentes e penso que as decisões judiciais, além de sua eficácia própria no âmbito jurídico, desempenham função pedagógica que tem contribuído para a quebra de preconceitos”, finaliza.

Leia mais | Confira o que pessoas trans e travestis devem fazer após alterarem a certidão de nascimento

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